Quando uma turma, em sala de aula, é muito barulhenta, logo se imagina que seu professor seja permissivo e sem autoridade. Na escola, diferentes estratégias representam meios de controle, de dominação, métodos para documentar individualidades. As normas pedagógicas têm o poder de marcar e de salientar os desvios. É a estrutura escolar que legitima o poder de punir, que passa a ser visto como natural. A instituição escolar está sedimentada sobre preceitos autorizados, portanto, aceitos socialmente. Ela age assim devido à sua legitimidade e seu discurso pedagógico, definido como um discurso circular, pois ao dizer as coisas sobre a escola, mantém-na em seu lugar, ou seja, o de sede da reprodução cultural.
Na medida em que se considera a criança como um ser produzido pela ação das práticas escolares, tem-se a clareza de que o silêncio pode ser uma boa e eficaz estratégia político-educativa. O silêncio se configura numa estratégia para mostrar respeito, para evitar um conflito ou para evitar a vergonha e a humilhação, ou também para controlar uma informação, para manipular o outro, para expressar acordos ou exercer o poder sobre o outro.
Se usado com parcimônia, o silenciamento é capaz de mudar o rumo das ações e alterar significativamente seus resultados no interior da sala de aula. Nesse sentido, se entende que as relações das crianças com o conhecimento não se dá exclusivamente por transmissão, mas que ele é construído pelas relações e pode-se concluir que, via linguagem, ou via ações disciplinares, normas e regras na escola, um sujeito é levado a agir sobre o outro, e este passa a silenciar-se.
O silêncio representa uma sinalização, uma informação sob a forma de um olhar, ou uma postura, uma imobilidade, pois, estas são mensagens enviadas ao outro. O estudo do silenciamento, que para Orlandi (1992, p.12) não é silêncio, mas sim “pôr em silêncio”, mostra que há “um processo de produção dos sentidos silenciados”, ou seja, o processo de silenciamento. Esse processo remete-se a questões como as de “tomar a palavra, tirar a palavra, obrigar a dizer, fazer calar, silenciar”.
Madeira (2001, p. 141) considera que a educação é construída nas relações concretas da totalidade social. Traz suas marcas e contradições. Não é um ato isolado, nem decorrente da boa vontade de indivíduo ou da idealização de dirigentes. A autora ressalta o fato de que entre os discursos e as práticas cotidianas destes sujeitos está a distância entre os interesses em jogo, que vão além da educação, e que tem o papel de determinar as relações sociais mais amplas.
Descrevo, a seguir, uma pesquisa sobre o silenciamento na escola, realizada em 2008. Trata-se de um estudo desenvolvido com 78 estudantes de oitava série do ensino fundamental de escolas públicas do município de Timbó, no Vale do Itajaí – SC/Brasil. Para levantamento da base empírica foi utilizado um questionário. Adotou-se, nesta pesquisa, a técnica da associação livre. Esta técnica é muito utilizada nos estudos de representação social porque ela reduz as possibilidades de interferência do pesquisador na resposta dos sujeitos e permite o acesso aos conteúdos não conscientes do campo da representação.
O caminho inicial para chegar aos resultados foi decodificar os dados obtidos no questionário, reapresentando as afirmações contidas nas respostas dos sujeitos, partindo das dimensões internas da representação: suas crenças e opiniões, seus elementos afetivos e suas práticas.
O segundo caminho foi, a partir da leitura flutuante e guiada pelos objetivos, construir, manualmente, mapas que transcreviam todo o conteúdo do questionário, possibilitando a visualização das relações e associações de idéias entre as dimensões apresentadas pelos sujeitos. Finalmente, estes dados fornecidos pelos mapas foram transportados para a forma gráfica, com grafos, tabelas e gráficos, pontuando-se as relações e aproximações entre os diferentes sentidos ou significados de cada resposta às questões.
Tais aproximações definiram a construção final das categorias de análise. A categorização permite reunir maior número de informações baseadas em uma esquematização e assim correlacionar classes de evocações e justificativas para ordená-los. A escolha das categorias se deu então a partir deste processo de leitura dos dados produzidos pelos sujeitos da pesquisa. As respostas escritas foram ganhando inteligibilidade à medida que, iluminadas pelas leituras do referencial teórico adotado durante a pesquisa, contribuíam para a ampliação do estudo das representações sociais.
As informações reunidas compreendem a representação social do grupo em estudo, estudantes de oitava série, pois, uma representação social é elaborada, em primeiro lugar, no nível cognitivo, com imagens e símbolos organizados pelos indivíduos em seu meio social; em segundo lugar, num nível de formação da própria representação, através do entendimento do concreto pela objetivação. E, em terceiro lugar, a representação se consolida pela edificação de condutas, opiniões, atitudes e estereótipos.
De acordo com as respostas do inquérito escrito, práticas escolares de disciplinamento através de expulsão, humilhação, violência (sofrer ou ser), ameaças (sofrer ou fazer) não estão presentes no cotidiano da amostra pesquisada. Todos são ouvidos e todos podem expressar-se em sala de aula. Pelas justificativas apresentadas pelos sujeitos investigados, confirma-se, porém, a utilização da vigilância para a disciplinação com a devida advertência sobre as consequências e os riscos que a prática de atitudes desaconselhadas pelo professor pode acarretar.
Ao afirmarem ser o silenciamento na escola um aspecto fundamental para o bom comportamento do aluno, para que ele não seja indisciplinado, para ser considerado educado, respeitador, necessário para a aprendizagem e para prestar mais atenção nas aulas, ouvir melhor o professor, levando-os a ter melhores notas, os alunos confirmam a importância dada ao silenciamento. Os ambientes altamente disciplinados, organizados e normatizados encontrados nas escolas pesquisadas são geradores de comportamentos disciplinados e organizados nos alunos. O controle social, via normas e regras, constitui-se, na representação social dos estudantes investigados um exercício necessário a fim de evitar os conflitos e por ser de interesse da maioria da sociedade.
A escola é um espaço que propicia as relações humanas, permite às crianças e aos jovens conviverem com as diferenças, aprender a respeitar os companheiros, compartilhar, aceitar perdas e lidar com hierarquias. Uma educação pautada na obediência crítica às regras, mesmo que por conformismo, submissão ou pelo temor de situações constrangedoras, poderá alterar as representações expressas no contexto escolar, mas dificilmente contribuirá para integrar ou situar os valores morais em um lugar central na personalidade: quando a regulação externa deixa de estar no outro para estar dentro de nós.
Princípios, como a ética e a moral, por exemplo, não são negociáveis, e sim construídos, uma construção autônoma movida por circunstâncias internas, sentimentos de obrigação do dever. A internalização desses valores por meio da autodisciplina impõe restrições à ação. Se a escola for um espaço onde se construa estratégias de diálogo, de convivência escolar e de mediação, poderá ser um local de que pelo menos se garanta o bem estar de todos os que cotidianamente frequentam esse espaço. Mesmo sendo um processo de autoviolência, a contenção própria dos indivíduos aos impulsos se faz necessária para civilizar-se, construindo novos espaços sociais que poderão ser cultivados, conquistados e vividos em liberdade.
Referências
MADEIRA, Margot Campos. Representações sociais e educação: importância teórico-metodológica de uma relação: In: MOREIRA, Antônia Silva Paredes (Org.). Representações sociais: teoria e prática. João Pessoa: Universitária, 2001.
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio; no movimento dos sentidos. Campinas, SP: Ed. Da Unicamp, 1992.
Este artigo foi publicado na Revista nº 3, p. 36, da Escola de Pais – Biguaçu – junho de 2011.
Irani Maas Marques – Mestre em Educação, Coordenadora Regional da Escola de Pais para o Vale do Itajaí, Membro da Escola de Pais – Timbó SC.
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