O Poder do Elogio

“Aprendemos tudo o que somos, e precisamos aprender tudo o que queremos ser.”

Aprender sempre, para nos relacionarmos e vivermos melhor e mais felizes, eis o nosso desafio perene.

Vivemos numa sociedade que hiper valoriza o alto desempenho, a mega produção, a multi competência, pouco tolerante a falhas e erros. Porém, contraditoriamente, todos os dias, consciente ou inconscientemente, reforçamos os erros nas atitudes e comportamentos dos outros, ressaltando-os e destacando-os na hora em que se fala demais a respeito destes; negligenciando o que está bem feito, as boas atitudes, esquecendo de elogiar aos outros e a nós próprios, quando faz-se por merecer. Bem enraizada na nossa herança cultural está a crença de que, ‘se está bem feito, não é preciso dizer nada, pois essa é sua obrigação’, pouco praticando o feedback, a aprovação explícita, o reconhecimento, tão essencial e necessário na construção de bons e saudáveis relacionamentos.

Nós, seres humanos, somos criaturas excepcionalmente sociais, interdependentes, o que um faz afeta os outros; vivemos nas nossas relações em conexão constante com o mundo a nossa volta, em contínuo e recíproco relacionamento, envolvendo desde os pais, familiares e sociedade. Precisamos do outro para suporte mútuo e proteção e, para tanto, desenvolvemos um cérebro especialmente sensível aos nossos semelhantes, com áreas específicas responsáveis pela comunicação, percepção, sensações e emoções.

Na década de 1950 o psicólogo John Bolwlby[1] realizou estudos e experimentos científicos sobre as origens do desenvolvimento psicopatológico na infância e na vida adulta, concluindo com a sua Teoria do Apego ou da Vinculação que as crianças precisam, além de alimentos e cuidados básicos, de amor, de toque, de relacionamentos íntimos; nos quais se sintam seguras e apoiadas emocionalmente, nas suas descobertas do mundo, para se desenvolverem adequadamente. Aquelas pessoas, que desde a infância, nas suas relações íntimas, se sentiram valorizadas, queridas e encorajadas a enfrentar os desafios e dificuldades na sua existência, ora acertando, ora errando, percebem as pessoas e o mundo de forma clara, solidária e acolhedora; as que pouco receberam apoio e valorização, este panorama pode ser frio, solitário e ameaçador.

No livro Uma vida que vale a pena[2], o psicólogo Jonathan Haidt, fundamentado na leitura de trabalhos sobre a sabedoria ancestral e pesquisas de neurociência, apresenta 10 grandes ideias psicológicas de como podemos encontrar a felicidade e o sentido da vida. Ele alerta e informa sobre o princípio da negatividade, no qual “as reações às ameaças e situações desagradáveis são mais rápidas, mais fortes e mais difíceis de inibir do que as respostas às oportunidades e aos prazeres.” A mente humana regida pelo instinto de sobrevivência, reage com mais rapidez, força e persistência às coisas ruins do que às coisas boas equivalentes.

O que ajuda o ser humano a equilibrar este viés da negatividade é a lei da reciprocidade, “o que você não deseja para si, não faça para os outros”, que também é um instinto profundo; as pessoas possuem o reflexo da reciprocidade automático e impensado, devolvendo o que recebem. “Reciprocidade e amor são elos que nos unem uns aos outros.” Um bom exemplo é quando recebemos um sorriso, naturalmente respondemos com um sorriso. Podemos deduzir que com o elogio ocorre o mesmo, damos e recebemos!

A palavra elogio, do grego eulogia, significa “falar bem de”, no dicionário, aprovação explícita, louvor, enaltecimento de uma qualidade ou virtude de alguém. Como aplicar o elogio na educação dos filhos?

A educadora Tânia Zagury[3] afirma que: “os atos dos nossos filhos por vezes nos parecem tentativas de nos irritar, mas não são. São tentativas de compreender o mundo, de organizar-se frente a ele. Portanto, vamos ajudá-los, que isso não é nada fácil!” Neste processo de compreender e descobrir o mundo, as crianças e adolescentes precisam de um caminho seguro, nós pais precisamos proporcionar boas sinalizações para os guiar, unindo aos bons valores e limites, o elogio, que com o seu poder de aprovação, valorização e reconhecimento, é uma boa ferramenta educacional.

Sempre que a criança tiver atitudes corretas e adequadas devemos ressaltar esse fato. Cada momento é bom e apropriado para um elogio discreto e adequado, ajudando-o a construir uma boa estima por si próprio, acreditando em sua capacidade de realizar, com esforço, boas atitudes e conquistas; aprendendo a utilizar seu potencial, ajudando-o a atingir um bom nível de saúde mental.

“Se você elogia ou premia atos positivos, seu filho aprende que atitudes socialmente aprovadas podem lhe trazer grande prazer. É assim que se dá início à formação do cidadão” afirma Tânia Zagury, bem como, “premiar atitudes positivas é tão importante quanto não deixar de corrigir os erros.” Os prêmios devem ser proporcionais à dimensão do ato realizado pelo filho, evitando os presentes e o consumismo. A referida autora sugere como prêmios; abraço de corpo e alma, beijo estalado, sorriso-verdade, elogios públicos na frente de outros familiares, atividades de lazer que a criança goste e se sinta recompensada, como um jogo, um programa especial, e lembrando que até 10 – 11 anos, o melhor presente, para a criança, é você mamãe ou papai.

Para se elogiar de forma eficaz, eis algumas sugestões:

– Ser específico em relação ao comportamento que está a reforçar, evitando ser geral, do tipo: “És tão inteligente” ou “Fazes tudo tão bem”;

– Dar feedback sempre que o comportamento ocorrer e de imediato;

– Seja sincero, olhe nos olhos;

– Seja breve e direto;

– Use frases na primeira pessoa: “Eu gostei muito…”;

– Evite comparações com os outros, com o passado e com o futuro. Compare resultados e progressos de forma intraindividual e nunca entre indivíduos;

– Seja justo, dê o elogio a todos aqueles que o merecem, de forma igual;

– Elogiar não somente as realizações da pessoa, mas também e, especialmente, suas qualidades especiais.

Estudos recentes mostram que crianças que são reconhecidas e valorizadas pelos seus esforços são mais persistentes nas tarefas, tem uma autoestima mais elevada, divertem-se mais, tem mais facilidade em socializar-se e em estabelecer relações com os pares, apresentam maior confiança em si e nas capacidades e tem mais facilidade em progredir na escola e nas aprendizagens escolares.

Quem tem filhos sabe que, mesmo elogiando e ressaltando as qualidades, nem sempre eles agirão da forma pela qual orientamos, a convivência com crianças e jovens é uma verdadeira luta, com vitórias e derrotas, precisamos estar atentos e vigilantes, seguros dos nossos objetivos e persistir, pois a boa educação vale a pena!

Será que os elogios são importantes e funcionam com os adolescentes? “Adolescentes sentem mais prazer ao receber elogios do que ao fazer sexo ou ganhar dinheiro.” A revista Mente e Cérebro[4] cita o estudo conduzido pelo psicólogo americano Brad Bushman. “O pesquisador da Universidade de Ohio questionou estudantes sobre as atividades que mais lhes davam prazer, como passear com o namorado ou namorada, receber salário após um fim de semana de trabalho ou saborear o seu prato predileto. Os jovens deveriam classificar as opções em uma escala de 1 (não me estimula nem um pouco) a 5 (sinto grande prazer). Os itens mais pontuados foram os relacionados à construção de autoestima – como receber elogios, perceber-se admirado e ser reconhecido como bom aluno ou atleta pelos outros colegas.”

A neurocientista brasileira Suzana Herculano – Houzel afirma que “o cérebro detecta quando você fez alguma coisa digna de prêmio. E o prêmio é a sensação de prazer. Então, o reconhecimento que vem do outro, o elogio, é muito importante.”

Na educação quando se elogia pouco e se critica muito, ressaltando o negativo, as crianças e adolescentes ficam com a sensação de que não vale a pena fazer o correto, afinal, se agem de maneira adequada o mais das vezes e não recebem qualquer estímulo, às vezes nem um simples olhar aprovador, nas outras ocasiões, porém quando erram, o mundo parece que vai acabar: ganhando palmadas, reprimendas, castigos, então para que se esforçar?

Essas críticas constantes podem gerar estresse na criança, no adolescente ou adulto, pois segundo a Dra. Marilda Lipp[5] nós nos estressamos pela falta constante de reconhecimento dos outros. Claro que não podemos – e isso acontece com frequência – ficar dependentes do reconhecimento do outro, ou pensarmos que só seremos amados e aceitos quando correspondemos aos desejos e vontade dos outros ou tendo um desempenho perfeito. Temos o poder do reconhecimento interno, refletindo e analisando os nossos próprios, bons e adequados comportamentos e atitudes, dos quais eu gosto, que sinto prazer, que me orgulho; podemos praticar e auxiliar nossos filhos e familiares a desenvolverem esta saudável prática.

Uma técnica sugerida pela Dra. e psicóloga Marilda Lipp é, sozinho, sentado e de olhos fechados ou na frente do espelho, pensar numa atitude boa que fez nos últimos 15 dias, que você ficou orgulhoso, que merecia um elogio e não ganhou, e então se parabenizar, fazer o gesto de triunfo e comemorar. Nos elogiarmos é uma rara experiência, pouquíssimo praticada, além de muitos benefícios para a autoestima e autoconfiança, nos prepara para recebermos bem, com alegria e tranquilidade, os elogios dos outros. Como você recebe o elogio? Aceita e agradece com alegria ou comenta, se justifica, fica sem graça.

Elizabeth Kubler – Ross, no seu livro Os segredos da vida[6] nos ensina que: “os relacionamentos nos oferecem as maiores oportunidades de aprender lições na vida, de descobrir quem somos, o que tememos, de onde vem o nosso poder e o significado do verdadeiro amor. A ideia de que os relacionamentos são grandes oportunidades de aprendizado talvez pareça estranha, porque sabemos que eles podem ser experiências frustrantes, difíceis e até mesmo dolorosas. No entanto, mesmo no sofrimento, os relacionamentos têm a capacidade de nos ensinar, fazer crescer, amar e ser amados.”

Referências


[1]  Teoria do Apego. Cristiano Nabuco de Abreu. Casa do Psicólogo, 2005.

[2] Uma vida que vale a pena. Jonathan Haidt. Editora Alegro, Rio de Janeiro, 2006.

[3] Limites sem traumas. Tania Zagury. Editora Record, 2004.

[4] Revista Mente e Cérebro. Ano XIX N 229. Fevereiro de 2012.

[5] Crianças Estressadas. Causas, sintomas e soluções Marilda Lipp/org. – Campinas, SP, 2000.

[6] Os segredos da vida. Elizabeth Kubler – Ross e David Kessler. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2004.

Este artigo foi publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p. 9.

Maria Olívia Schwalb Seleme – Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e Escolar, Terapeuta de Família, Casal e Adulto. Consultora Educacional, Palestrante,mariaolivias@matrix.com.br

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