Não importa se o sexo é raro. Ele não pode é tornar-se automatizado

Muitos casais reclamam que a vida sexual ficou pouco assídua ou “sem graça”. Ora, sexo raro, desde que bom, não é exatamente um problema. Quanto à graça, quem imprime ao sexo é o casal. Se ele passou a ser praticado sem alma, isso pode ser indício de que a relação foi construída sobre bases pouco sólidas ou de que os parceiros não estão cuidando bem da vida conjugal.

 Com a rotina que se estabelece na vida do casal, o sexo tende a cair na mesmice, ficar sem graça e rarear, certo? Erradíssimo! Caso esse seja o retrato da vida de algum casal, dificilmente terá sido na sexualidade que nasceu o conflito. O mais provável é que o declínio nesse setor da vida a dois seja resultado de falhas do casal na avaliação das bases da união, antes de consolidá-la, ou nos cuidados com a intimidade conjugal, posteriormente.

O sexo não anda sozinho, da mesma forma como a despensa não volta a ficar suprida sem que providências sejam tomadas ou o vaso não volta a ter flores, se alguém não as coloca lá. O que quero dizer é que, tomada isoladamente, a assiduidade das relações sexuais não é termômetro para medir o sucesso ou o fracasso de uma relação.

No “período quente”, de intenso envolvimento emocional, comum nos primórdios de uma relação, a sexualidade de fato ocupa enorme espaço. É muitas vezes, a principal forma de contato entre amantes. Natural. Nessa fase, ainda paira certo “mistério” entre eles, pois não se conhecem direito.

Disso resulta, inclusive, que as pessoas reais acabam por ser sobrepostas ou “preenchidas” pelas projeções e idealizações do outro.

O enlevo que costuma acompanhar tais idealizações cria uma aura de magia, que dificilmente sobrevive depois que os parceiros passam a se conhecer bem. O que entra no lugar dessa magia, porém, é algo ainda melhor: a consciência, o chão seguro, a chance mais certeira deque a paixão se transforme em amor. O sexo, como modalidade de contato, deixa de ser um veículo “que leva ao paraíso” e passa a ser uma maneira de se abrir para o outro e para si mesmo, aproxima-se da verdade e afasta-se da ficção. Vencida essa etapa, a preservação da motivação sexual será a prova de que a relação está destinada ao sucesso. Daí a importância de se avaliar com calma o terreno antes de um casamento, dando o tempo necessário para que as bases mais sólidas da relação tenham sido checadas.

Garantido o chão, uma redução na assiduidade das relações não será indício de perda de motivação, desde que os parceiros tenham tido o cuidado de substituir a quantidade pela qualidade. Amores maduros trazem sexo melhor, mais intenso, mais degustado – ainda que mais raro.

Que o sexo caia na mesmice também não é necessariamente uma má notícia. Onde não se preserva “o mesmo” não se tem noção de identidade. Não falo de cristalização, mas de um processo em movimento e evolução, embora conhecido. O problema é quando a mesmice se traduz por “ausência de alma”. O corpo comparece à cena feito um autômato, sem que a pessoa inteira esteja presente. Mesmice com alma é vida pulsante. Mesmice sem alma é morte.

Por fim, não faz sentido dizer que “sexo ficou sem graça”, porque ele não é sujeito, não pode ficar ou deixar de ficar bom ou ruim. O sexo é função do relacionamento e só existe quando colocado em movimento pelas pessoas nele interessadas. A graça é algo que se imprime a ele, da mesma forma que se confere graça à decoração de uma casa, quando se investe energia psíquica nessa empreitada. A cor de uma residência, o alimento nela servido, a vida cultural da família, a qualidade da sexualidade de um casal – tudo isso expressa a visão de conjugalidade dos parceiros. Há que se cuidar dessa visão com carinho, para que se mantenha consistente a cheia de graça.

Publicado na Revista Caras, Edição 990 – 26/10/2012.

Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).

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