A criança tem o direito à verdade: precisa ser comunicada da perda de parentes e elevada a funerais
A criança entende o conceito de morte? Devemos ou não anunciar a ela morte de uma pessoa querida da família ou de um bicho de estimação? Se esse for o caso, como fazer isso? Ela deve ser levada a enterros, a cemitérios? Como lidar com as reações da criança quando ela recebe a notícia desse tipo?
Essas questões delicadas para muitos pais, que não sabem como proceder nessas situações. Vamos conversar sobre esse tema, já que, mais cedo ou mais tarde, os pais terão de escolher como agir com seus filhos a esse respeito.
Como uma criança com menos de seis anos entende a morte? Para isso, vamos lembrar como ela entende a noção de tempo.
Começo com um exemplo. Uma criança de quatro anos pega um objeto para brincar. Segundos depois, quando a mãe percebe, tira o objeto da criança e diz que ela não pode brincar com aquilo. A criança, que havia gostado muito da brincadeira, pergunta quando ela poderia pegar tal objeto, e a mãe responde com firmeza: “Nunca”. A mulher continua com seus afazeres, de olho na filha que se distrai com suas coisas. Alguns minutos depois, a garota pergunta à mãe com ansiedade: “Agora já é nunca?”.
Nessa idade, a criança não é capaz de entender o significado de “nuca mais”. Como o que a morte anuncia é exatamente que nunca mais a pessoa que morreu voltará, a compreensão da criança a respeito da morte é diferente da de um adulto. Mesmo assim, como ela merece ser respeitada e tem o direito à verdade, precisa ser comunicada da morte de parentes e, se possível, ser levada a funerais. Participar de rituais sociais é um modo de ser introduzido na vida.
Um pouco mais tarde, entre oito e dez anos mais ou menos, a criança se apropria mais da noção de tempo e, consequentemente, da morte. Ela começa a entender de modo mais concreto que a morte pode afetar ela mesma e/ou seus pais, e isso é assustador.
Foi essa situação que a mãe de uma garota de dez anos enfrentou. Colocou um filme para assistir com a filha cujo enredo parecia apropriado: um garoto, da mesma idade que ela, queria construir um grande número de bonecos de neve para entrar no livro de recordes e, assim, ser lembrado para sempre. O problema apareceu quando o personagem contou o motivo de seu desejo: ele tinha uma doença e iria morrer. A garota começou a chorar e pediu para parar de assistir ao filme.
Sim: a criança se desespera com a ideia de que vai morrer – só que ela ainda não sabe quando. E, na atualidade, em que o mundo adulto foi devassado para as crianças, elas sabem que não são apenas os velhos que morrem: criança também morre. Não é a idade, a saúde ou qualquer outra coisa que possibilita a morte. É o fato de estar vivo.
Mas é a partir desse momento que a criança cresce e passa a pensar. Como diz Fernando Savater em seu livro “As Perguntas da Vida”, a evidência da morte traz amadurecimento, pensamento, humanização. Isso possibilita investir na vida.
Por isso, as crianças não devem ser poupadas do fato, mas acolhidas em seu sofrimento, acompanhadas em sua angústia, apoiadas em seu crescimento.
É: testemunhar o processo de humanização dos filhos não é simples. Exige força e coragem.
Publicado no Jornal Folha de São Paulo, 18/06/2013, p. c13
Rosely Sayão é psicóloga
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