Educar as crianças na contemporaneidade é um evento altamente complexo, tanto em termos educacionais, como também em termos sociais, culturais, políticos. A família, na verdade, desempenha um papel estruturante no desenvolvimento cultural, na experimentação sociopolítica das crianças, na medida em que a inserção da criança no meio social circunscreve-se notadamente nesse lugar – a família. Tal experiência pode ser experimentada não como tempo e espaço para reproduzir e transmitir conhecimentos já estabelecidos, mas, sobretudo, como um lugar para a criatividade. A sociedade em que vivemos hodiernamente é uma época de transição, portanto, nossa geração é transitória. Deste modo, é impossível usar na educação das crianças alguns valores e parâmetros educacionais, éticos, sociais, sob os quais nós fomos educados há décadas. Ainda que o tempo social em que vivemos atualmente seja um tempo de desorientação e confusão, de incertezas, de paradoxos, de contradições generalizadas, por outro lado é também um tempo rico em possibilidades.
Tantos modos de educar podem ser recriados se abandonarmos a presunção de que possuímos verdades absolutas, incontestáveis. Também é preciso abandonar a ideia de que estamos numa crise insuperável, que não temos mais identidade, nem forças para enfrentar os dilemas que as relações sociais nos apresentam. Nesse contexto, há situações em que é muito difícil nos assumirmos e nos posicionarmos como mães e pais, senão também, diante dos desafios que se apresentam, nos tornamos também “filhos” e “filhas” de algumas inovações que fazem parte de nosso cotidiano não só no interior da família, mas também no trabalho, na escola, na igreja. Talvez o nosso grande desafio como educadores na contemporaneidade é compreendermos que precisamos buscar o que nos une, como adultos, ao universo das crianças, dos adolescentes e jovens e não o que nos divide ou separe. Desse modo, educar a infância e, portanto, as crianças, significa, em primeiro lugar, criar um espaço de vida e de futuro. Significa educar em uma nova liberdade, compartilhada, gerada do desejo de dialogar e trocar pontos de vista no interior da família. Isso exige de nós educadores, fazer um balanço de nossos próprios valores, de nossas crenças, de nossos princípios, posturas e atitudes, da nossa capacidade de dialogar com o processo de “tornar-se” das crianças, afinal, elas estão em processo de constituição humana. E o constituir-se humano, nas primeiras fases da vida, é a base educacional que firma alicerces para toda uma vida. Não há uma educação ideal, porque uma educação ideal, uma família ideal, uma criança ideal não existe. O que existe é a infância e os modos de ser criança concretamente, ou seja, seres humanos em relação a suas próprias experiências, tempo e cultura. Assegurar o fluxo do diálogo e dessa teia relacional é a tarefa principal da família. Esse elemento relacional é fundamentado em uma maneira de pensar e educar que não é sustentada e conduzida por dogmas filosóficos ou científicos, mas sim, nas relações cotidianas vividas no interior da família entre os membros que a constituem, das crianças aos idosos. Isto implica em permitir cotidianamente que as crianças conheçam, façam distinções, tomem decisões e façam escolhas. Todos esses aspectos são pilares basilares na construção de limites e valores. O aprendizado, desde a mais tenra idade, deve ser acompanhado de reflexão e revisitação.
Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Biguaçu e São José, nº 5, junho de 2014, p. 25.
Prof. Dra. Julice Dias – Doutora em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. Pesquisadora do GEDIN da mesma Universidade.
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