“Todos os pais desejam ser bons pais. Mas a maioria simplesmente não tem as informações de que necessita para saber como seus filhos estão crescendo e se desenvolvendo.” (Sue Treffeison).
A campanha do Educar sem bater já está nas TVs, rádios, cartazes, outdoor. Uma linda propaganda. O propósito da campanha é sensibilizar os adultos de que é possível educar sem utilizar qualquer tipo de violência. A Lei da Palmada, como ficou conhecida, prevê uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a intenção de explicitar o que não foi posto claramente há 20 anos, quando da sua criação. O “Estatuto da Criança e do Adolescente trata dos maus tratos, mas sem especificar os tipos de castigo”, explica Angélica Goulart, secretária executiva da rede Não Bata, Eduque[1], um movimento que congrega organizações de todo o país e que se constituiu para apoiar o projeto de lei[2]. Bater está proibido.
A Proposta prevê multa de até 20 salários mínimos aos pais que não cumprirem esta lei, salários estes, que serão destinados à saúde e à educação. A Lei também prevê multa para funcionários públicos e familiares que possam ter o conhecimento dessas agressões físicas e não denunciarem para as autoridades.
É possível educar sem palmadas? Uma questão atual que virou livro[3], e uma pergunta que muitos pais devem ter feito quando foi noticiada a aprovação do projeto de lei que proíbe as palmadas, estabelecendo o direito da criança e adolescente a não ser submetida a nenhuma forma de punição corporal.
A alteração da lei segue uma tendência mundial. Outros 30 países já realizaram essa mudança para prevenir a prática do castigo físico e humilhante, considerado pelo Estudo Global da ONU sobre Violência contra Crianças (2006)[4] um tipo de violência frequente e grave que atinge milhões de crianças no mundo. A Suécia foi o primeiro país a adotar, em 1979, uma lei contra o uso de castigos corporais em crianças e adolescentes, seguida por Áustria, Dinamarca, Noruega e Alemanha. Atualmente 25 países já têm legislação para coibir essa prática. Na América do Sul, apenas o Uruguai e a Venezuela adotaram lei semelhante até agora.
No Brasil, desde maio de 2003, quando o Disque Denúncia Nacional de Proteção contra Abuso e Exploração contra Crianças e Adolescentes foi criado, o serviço “Disque 100”, recebeu 127.770 denúncias de diferentes violências, a imprensa denuncia casos diariamente. Esses dados são preocupantes.
O pediatra Lauro Monteiro, idealizador do Observatório da Infância[5] comenta que o ato de bater para educar é meramente cultural. São séculos de desrespeito às crianças. Temos que quebrar esse vínculo cultural. Esse comportamento anacrônico, inoportuno, já permitiu, por exemplo, que outro educador, o professor, batesse nos alunos, nossos filhos, com palmatória e que os colocassem de joelhos sobre grãos de milho de cara contra a parede na sala de aula. Assim, para romper com esse passado é necessário discutir o assunto, falar sobre as dificuldades cada vez maiores de educar filhos na atualidade.
A instituição familiar é produto de um processo histórico que se ajusta, se modela conforme as transformações da sociedade. Certamente, em algum momento, ela terá de enfrentar as mudanças. Em grande parte, uma das soluções tem sido aproveitar as divergências para transformá-las em momentos de acordos de convívios. Isto ocorre também com outros hábitos e costumes sociais. Penso que esse deva ser o caminho. Enfrentar as mudanças!
Segundo a autora do livro Educar sem Culpa[6], na maioria das vezes, os pais agem movidos pelo mais legítimo e verdadeiro desejo de acertar, de dar aos filhos o que de melhor eles têm. Nem sempre, porém, o conseguem. Os pais precisam segundo esta autora, compreender e incorporar a premissa de que seu mais importante objetivo é ensinar princípios éticos, como honestidade, solidariedade e respeito mútuo, ainda que a sociedade conspire no sentido contrário. Esse ensinamento poderá acontecer sem o uso da força física!
Os laços familiares promovem o processo de desenvolvimento de um bebê para a vida adulta. Na família forma-se nossa identidade, uma espécie de marca. Uma matriz de identidade[7], que nada mais é que o lugar onde a criança se insere desde o nascimento, relacionando-se com outros objetos e pessoas dentro de um determinado clima. Esta matriz leva à construção de laços familiares.
Uma família forma-se por múltiplos laços capazes de manter os membros unidos moral, financeira e afetivamente durante uma vida e durante as gerações. Continua se transformando, acompanhando as mudanças religiosas, econômicas e sócio-culturais do contexto em que se encontram inseridas. Os hábitos, valores, limites, crenças são incorporadas no cotidiano das crianças a partir de suas interações, principalmente com os pais e irmãos, tios, avós.
Os primeiros cuidadores são a ponte entre a criança e o mundo. Estes laços familiares contem afetividade, sempre de acordo com os padrões e expectativas das famílias de origem.
A matriz de identidade vai se formando…
Nesta linha de pensamento, cabe discutir em poucas linhas, o que acontecerá com os pais que não tiveram, eles próprios, boa matriz de identidade: como mudar os costumes nas vidas de pais que não tiveram vínculos positivos em sua família? Cujas primeiras experiências afetivas foram desastrosas, sem apego, sem segurança, sem disciplina? Como não repetir e deixar marcas parecidas em seus filhos? Como não bater nos filhos se apanhou na infância? Como estes pais, agora transgressores, poderão mudar seu padrão de comportamento? Todo ser humano traz em sua história de vida as influências, não só do aqui e agora, mas também das gerações passadas, Como mudar?
Em primeiro lugar buscar a consciência do erro. Em seguida, começar a mudar: esforçar-se para mudar o padrão de comportamento inadequado com formas positivas de se relacionar com os filhos, com a(o) esposa(o), com o mundo. Educar sem bater, deste modo se torna possível, porém, o ciclo repetitivo de violência e desorganização familiar ser quebrado. Pais, mães, famílias, nesta situação, necessitam de ajuda, aconselhamento ou tratamento.
Nos círculos da Escola de Pais, a troca de experiências com outros pais, cujo comportamento não transgride a Lei da palmada, o conhecimento sobre os limites, a disciplina, as fases educativas, as funções maternas e paternas, tem auxiliado na mudança de atitude de muitos.
Para esses pais, surge a possibilidade de vislumbrar novas formas de relacionamento: Por um desejo de mudar, em primeiro lugar, e por meio da observação, do encaminhamento para aconselhamento realizado por uma terceira pessoa (neutra), ou tratamento terapêutico realizado por profissionais da área familiar.
Mudanças não acontecerão, somente, em função da LEI.
Será um desafio para a Escola de Pais do Brasil, Conselheiros Tutelares, Educadoras e Educadores de Unidades Escolares e da Educação infantil, Religiosos e principalmente, aos profissionais capacitados em realizar terapia familiar, para onde pais e mães transgressores deverão ser encaminhados. Um esforço de todos os envolvidos, a fim de oferecer uma rede de apoio aos pais transgressores, mesmo depois de punidos pela lei, fará uma grande diferença.
Notas
[1] Pesquisa do Datafolha, realizada em 2010, aponta que 75% das crianças e adolescentes no Brasil sofrem violência praticada por pais e responsáveis durante o processo educativo. Para alterar essa realidade, foi criada a Rede Não Bata Eduque, cuja missão é contribuir para fim da prática dos castigos físicos e humilhantes, seja no meio familiar, escolar ou comunitário.
[2] – O projeto de lei que altera o Estatuto da Criança e Adolescente e proíbe os pais de aplicarem castigo físico a crianças e adolescentes. Conhecido como Lei da Palmada.
[3] Livro É possível educar sem palmadas? – Um guia para pais e educadores – Autora: Luciana Maria Caetano – Ed. Paulinas.
[4] http://www.unicef.org – acesso em 09/01/2012.
[6] Livro Educar sem culpa: a gênese da ética- Autora: Tânia Zagury – Editora: Record. 25 edições (desde 1993).
[7] Teoria Psicológica, o termo Matriz de Identidade vem da teoria de personalidade desenvolvida por Jacob Levi Moreno – A matriz é a rede de relações afetivas criada, entre os indivíduos.
Este artigo foi publicado na revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p. 36.
Irani Maas Marques – Mestre em Educação / FURB, Orientadora Educacional, Coordenadora Regional da Escola de Pais para o Vale do Itajaí, Associada da Escola de Pais – Seccional de Timbó.
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