O presente artigo será dividido em três momentos: conceituação de paz, discussão sobre o relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors, considerando principalmente a definição dos quatro pilares da Educação, e por fim, um breve relato de experiências com adolescentes no que diz respeito a cultura de paz.
A palavra paz deriva do latim Pacem = Absentia Belli. Absentia, significa ausência e Belli, relaciona-se a bélico, que refere-se a uso de armas. Dessa forma, o significado de paz refere-se à ausência de violência ou guerra. Paz seria definido ainda como um estado de calma, livre de conflitos, perturbações e agitação. Segundo Michaellis, paz:
“sf (lat pace) 1 Estado de um país que não está em guerra; tranquilidade pública. 2 Tratado que mantém ou restabelece esse estado: Assinar a paz. 3 Repouso, silêncio. 4 Tranquilidade da alma. 5 União, concórdia nas famílias. 6 Sossego. P. armada: respeito recíproco das nações, mantido pelos exércitos e esquadras que elas conservam. P.-de-alma: pessoa bonacheirona, inofensiva, pacífica. P.-otaviana: grande quietação e sossego, como gozou o mundo romano no tempo de Otávio.”
A educação é um trunfo indispensável no que diz respeito à consolidação dos ideais da paz, liberdade e justiça social. Com vistas a discutir formas de alcançar a consolidação desses ideais, reuniu-se a Comissão Internacional de Educação[1], presidida por Jacques Delors. Nesse relatório, existe um quadro prospectivo construído com base na história de nosso mundo, considerando as marcas deixadas pelo tumulto e pela violência da 2ª guerra mundial, da guerra fria e da globalização, bem como pelo progresso econômico e científico.
Os desafios do século XXI, segundo essa comissão, ficaram centralizados em três aspectos: intelectual e político, cujo desafio é conciliar o progresso material com a equidade, respeito pela condição humana e pelo capital natural da humanidade; avaliação dos recursos decorrentes da interdependência entre povos e globalização dos problemas, adotando recursos para superá-los e por último, aprender a conviver na aldeia global no conflito com a vivência comunitária.
A superação desses desafios, segundo a comissão gera as seguintes tensões: tensão entre o global e o local, entre o universal e o local, entre a tradição e a modernidade, entre o longo e curto prazo, entre a indispensável competição e o respeito pela igualdade de oportunidades, entre o extraordinário desenvolvimento dos conhecimentos e as capacidades de assimilação do homem, tensão entre o espiritual e o material.
Outros aspectos importantes nesse relatório foram: suscitar o interesse da sociedade pela educação ao longo da vida, desconsiderar e articular as diferentes etapas da educação, levar a bom termo as estratégias das reformas educacionais e ampliar a cooperação a toda a aldeia global.
Nesse relatório, com o intuito de resolver as tensões e melhorar a vida no planeta são definidos quatro pilares para a educação do século XXI. Segundo Delors:
“… aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta.” [2] (Delors, 1994)
Existem vários movimentos sociais que possuem o intuito de desenvolver uma cultura de paz, dentre eles a própria Escola de Pais que através de seus círculos de debates, seminários e congressos visa resgatar valores, discuti-los com pais e educadores, bem como reforçar a importância da família, promover a conscientização da paternidade responsável; preparação para um mundo em constante mudança; transmissão de conhecimentos básicos de psicologia e pedagogia e de técnicas educativas que favoreçam a reformulação de conceitos e a convivência entre pais e filhos. O objetivo maior é o desenvolvimento do ser humano, em sua caminhada para o outro e a busca do Transcendente.
Em minha vivência profissional, tenho realizado trabalhos com adolescentes vítimas de violência e que por vezes tornam-se agressores ou que por vezes apenas não sabem agir de forma tranquila em decorrência do contexto em que vivem. Em um dos grupos de adolescentes, trabalhou-se a cultura da paz e o resgate do Ser Humano, segundo os aspectos levantados por Delors: aprender a conhecer, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a ser. O trabalho foi realizado em sete encontros, tendo como objetivo geral possibilitar o treinamento de recursos internos nos adolescentes de forma que estes pudessem agir de forma diferenciada sobre o meio e estabelecer relacionamentos mais saudáveis. Durante os encontros foram trabalhados temas como as qualidades que cada um possui, a importância da boa convivência e acordos que possibilitam a mesma, os direitos e deveres de cada um, situações consideradas violentas, sentimentos individuais e referentes ao grupo e sugestões de como eles podem melhorar a convivência.
Todas as atividades desenvolvidas tiveram como base o teatro e a dramatização com o objetivo de resgatar a importância do diálogo, a amizade, a gentileza, as boas maneiras e a resolução de conflitos tanto na escola, quanto em suas famílias. Ao final do trabalho, no encerramento, os adolescentes puderam fazer uma avaliação, colocando que através do que aprenderam nos encontros, puderam exercitar o diálogo e a gentileza em seus lares e notaram que ao fazer isso, as relações na família e na escola se modificaram.
Neste trabalho, uma das falas de um adolescente ficou marcada: “Como podemos falar de paz se vivemos em um mundo de guerra?” Essa é a noção que muitos adolescentes têm, não bastasse a mídia que explora situações de conflito, como a ocorrida em Realengo no Rio de Janeiro e expõe o agressor de forma distorcida, desconsiderando que ele é um indivíduo inserido em um determinado contexto social e que gera determinados comportamentos, ou seja, ele é uma vítima também. Além disso, para crianças, adolescentes e adultos que enfrentam dificuldades podem enxergar no agressor, um herói e internalizar o comportamento dele como algo natural. Outro fator importante é que, se vivemos em guerra, eu preciso me defender, não posso aceitar desaforos e tentar compreender aquele que é diferente de mim e dessa forma, fica cada vez mais difícil a convivência e o desenvolvimento da cooperação e da solidariedade. Conforme as tensões supracitadas presentes no contexto social mundial, todos estamos em busca de adaptação à globalização sem nos perdermos, tentando ainda que com muito custo, construir autonomia considerando a liberdade e a evolução do outro. Nossos adolescentes também estão e se alguns adultos têm dificuldades de ter autonomia e assumir suas responsabilidades, que exemplos damos? Quem são as referências desses adolescentes?
Para que as futuras gerações possam aprender a conhecer, conviver, fazer e ser, precisamos dar exemplo. O processo de desconstrução da cultura instituída com base nos elementos do contexto sócio cultural citados e a mudança de paradigmas exige a busca de conhecimento e esforços para vencer as adversidades provenientes deste processo.
Notas
[1] A Comissão foi composta por: In’am Almufti, Isao Amagi, Roberto Carneiro, Fay Chung, Bronislaw Geremek, William Gorham, ALeksandra Kornhauser, Michael Manley, Marisela Padrón Quero, Marie-Ángelique Savané, Karan Singh, Rodolfo Stavehagen, Myong Won Suhr e Zhou Nanzhao.
[2] http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm
Publicado na Revista nº 3, p. 46 – junho de 2011 – Escola de Pais – Biguaçu.
Camila Detoni – Psicóloga Psicodramatista CRP 12/05423, Presidente da Escola de Pais do Brasil – Seccional de São José.
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