EDUCAR DIANTE DE DESAFIOS

Existe um modelo ideal de Educação para os Tempos Atuais?  Como é esse tempo comparado com o passado? O ponto marcante que os diferencia é a busca pela LIBERDADE e esse, com certeza, é o maior desafio encontrado. Como educar para a liberdade sem deixar que o aprendiz se perca exatamente na tão almejada liberdade? O que é ser livre? Até aonde vai a minha liberdade e onde começa a liberdade do outro?

 A verdadeira liberdade consiste na observação de leis, preceitos e princípios e deve necessariamente obedecer a certos parâmetros e regras que dizem respeito à real natureza do ser humano. Por sermos HUMANOS, temos potenciais além de físicos a serem desenvolvidos.

A educação real precisa levar em conta esses potenciais e propiciar a sua descoberta e o seu aprimoramento através de experiências adequadas à nossa verdadeira natureza. Precisamos investir em tempo e atenção para conhecer quem estamos educando.

A educação verdadeira requer uma atmosfera de liberdade, de relações humanas dinâmicas e abertas. É imprescindível ter liberdade de indagação, de expressão e de crescimento como pessoa, colocando ênfase, tanto em abrir as mentes quanto em querer perceber a conexão e dependência mútua da natureza com a vida e a cultura humana.

Educar significa ter suficiente paixão para extrair a grandeza, os talentos e dons que se encontram dentro de cada pessoa. É ajudar cada um a descobrir o que tem de melhor. É reconhecer cada criança, jovem, adulto ou idoso, como um ser único e valioso. Isso significa aceitar as diferenças individuais e estimular a tolerância, respeito e o apreço pela diversidade humana.

Cada pessoa é criativa de forma ímpar e tem necessidades e talentos únicos de tipo físico, emocional, intelectual e espiritual, além de possuir capacidade ilimitada para aprender. Há que se descobrir qual canal de comunicação usar para se fazer entender, para que o emissor e o receptor entendam a mensagem com êxito. A educação é um elemento de conexão entre pais e filhos, mestres e aprendizes. Essa conexão é, na realidade, o processo educativo e normalmente não é visto como tal.

Hoje em dia, infelizmente, os pais têm uma certa tendência de querer colocar nas mãos da escola o processo de educação dos seus filhos: “eu trabalho o dia inteiro, tenho muitos afazeres, tenho mais o que fazer na vida, não tenho tempo, não tenho informação, não tenho instrução nesta área, então a escola deve educar o meu filho”.

A Educação, no entanto, começa na Família. A escola vai dar continuidade ao que já existe. Na Arte, em todos os processos de criação, nada se faz, sem partir de elementos já existentes que são transformados: tinta, argila, papel, instrumentos, gestos, palavras, pessoas etc. Fazer do NADA um TUDO se chama  MILAGRE  e está além do alcance das escolas.          Comparando a educação com uma plantação, a semente deve ser plantada em casa e cultivada com a ajuda da escola. Os pais têm a missão inicial de plantar nos filhos os princípios de vida para que a escola ajude-os a extrair e colocar mais luz sobre eles, revelando as perfeições interiores e exteriores que cada criança, adolescente, jovem ou adulto já tem. Se desde o ventre materno o ser humano não conhecer seus potenciais, se não souber quem é e para que serve, se pensar que nada há além do aspecto material, viver e ser livre   resumir-se-á  a sentir prazer  e ser feliz passará a ter um aspecto egoísta e inconsequente.  Teremos “seres desumanos”, interessados em sua própria paz e conforto, enquanto que a condição de seus semelhantes absolutamente não os inquieta nem os preocupa.  

São os pais, juntamente com a escola, que vão oferecer a existência humana a uma nova criatura, com percepção espiritual, consciente de sua própria realidade, e possibilitar o reconhecimento de algo superior, do reconhecimento do divino em cada ser humano.  É o despertar da essência, que é muito maior do que a aparência humana.  A perda do reconhecimento de que somos pequenos face a esta existência maior, que é o nosso Criador, face à existência maior que é a própria criação,   leva-nos à  perda da humildade, dos valores morais ou éticos e dos valores espirituais e está levando às consequências do que estamos vivendo.

O ser humano é mais complexo e mais completo do que aparenta ser. Educar com base em sobrepor o ter ao ser leva ao colapso moral da sociedade. Se observarmos a epidemia de drogas e dos problemas urgentes de delinquência, alcoolismo, abuso de crianças, corrupção política e de escolas, percebemos que a Educação precisa ser revista com urgência.

Educar para a liberdade se dá pelo exemplo, através do diálogo e do respeito mútuo.

Pais e Escolas devem ensinar que somos responsáveis por nossas escolhas e suas consequências. As crianças, desde muito cedo, são espertas, têm uma sagacidade impressionante. Detectam em qualquer momento um sinal de incoerência entre o discurso e a ação. Por mais que digamos “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” elas dirão: “Eu não vou fazer o que eles dizem, porque eles também não conseguem fazer. Por que eu vou me esforçar para fazer algo que eles dizem e  não fazem? Também não conseguirei e me sentirei culpado  e incapaz. Vou fazer o que eles fazem!”

Há que se ensinar por ações como tudo no Universo está conectado. Educar para a integridade e unidade faz oposição direta ao paradigma de separação e fragmentação que predomina no mundo contemporâneo. Todos nós devemos reconhecer a necessidade imperativa de cooperação global e sensibilidade ecológica se esperamos sobreviver neste planeta. Nossos filhos e netos necessitam de um planeta sadio no qual possam viver, aprender e crescer. Necessitam de ar e água puros, a luz do sol e um solo fértil e todas as outras formas de vida que constituem o sistema ecológico da Terra. Um planeta destruído e doente não pode abrigar pessoas sadias.

Pais e educadores devem facilitar a aprendizagem, como um processo de coaprendizagem e cocriação entre seres humanos, considerando em todo momento, além de cada indivíduo, a unidade e a diversidade do contexto da família, da escola, da sociedade, incluindo a família humana, a comunidade global e a todos os demais sistemas da Terra e do universo.

Educar é um processo que tem o objetivo de inspirar o amor pela vida e pelo desejo de aprender, onde cada pessoa encontra a sua identidade, o significado e o propósito da vida através de conexões com as comunidades, com o mundo em que vive. É inspirar valores tais como a paz, o perdão, a caridade, a harmonia, a sabedoria, a verdade, a compreensão e a compaixão. É cultivar uma consciência crítica nos contextos moral, cultural, ecológico, econômico, tecnológico e político, respeitando valores humanos, dando ênfase à competência – tanto quanto à cooperação – elevando a planos maiores a honestidade, a justiça e a igualdade. Educar é dar valor à totalidade do ser humano que necessita de ciência, filosofia, tradições e arte para se tornar inteiro. Educar é viver a busca da transcendência de si mesmo no amor incondicional.

Quando me refiro à espiritualidade, não estou falando de religião. Muitas religiões, como o próprio nome diz, religam o ser humano ao seu ser divino. “Namastê” é uma expressão que significa “O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você”. Quando pergunto a um paciente se ele faria mal a Deus, a resposta é sempre “não”. E onde Deus habita? A maioria responde que Ele habita em todos os lugares. Quando o paciente se dá conta de que Deus habita inclusive dentro dele, começa a tomar consciência de que está tentando matar Deus com drogas e outras atitudes suicidas. Aí começa o processo psicoterapêutico, pois estamos tratando o ser humano como um ser total, incluindo a sua espiritualidade.

Todas as pessoas são seres espirituais ocupando uma forma humana e expressam a sua individualidade através de seus talentos, capacidades, intuição e inteligência. Da mesma maneira que uma pessoa se desenvolve física, emocional e intelectualmente, ela também o faz espiritualmente.

A experiência e o desenvolvimento espirituais manifestam-se em forma de uma profunda conexão consigo mesmo e com os demais, uma consciência do significado e propósito da vida diária, uma experiência de totalidade e interdependência da vida, uma pausa na atividade frenética e nas pressões e estímulos da vida contemporânea, o conjunto da experiência criativa e um respeito profundo pelo mistério da vida.

A parte mais importante e mais valiosa de uma pessoa é a sua vida interior, subjetiva: a individualidade ou alma.  Raimundo Correia, poeta parnasiano, em seu poema “Mal Secreto” (1883), diz: “Se eu pudesse, o espírito que chora/ ver através da máscara da face, / quanta gente, talvez, que inveja agora nos causa/ então piedade nos causasse”. Essas pessoas estão inseridas na sociedade, mas não conhecemos seus interiores, as suas angústias, tristezas e frustrações e talvez nem elas mesmas se conheçam.

A ausência da dimensão espiritual é um fator crucial na conduta autodestrutiva. O abuso das drogas e do álcool, a sexualidade vazia, o crime e a desintegração da família, a maioria das doenças psicossomáticas é tudo proveniente de uma busca na forma errada de conexão, mistério e significado e uma fuga do sofrimento de não ter uma fonte autêntica de realização.

Relembro o relato emocionado do meu filho mais velho descrevendo a sua experiência de surfista, sentado sobre a prancha em alto mar, esperando a onda perfeita. Ele dizia: “Mãe, lá eu me sinto conectado com o Universo; sinto uma paz tão grande… Lá eu faço a minha oração de agradecimento a Deus pela vida e entendo o que é o amor e a felicidade.” Nesse momento ele estava conectado com a sua espiritualidade.

A educação deve cultivar o crescimento sadio da vida espiritual em vez de produzir violência com uma constante valorização e competição. Conheço Escolas que desde as séries iniciais preparam a criança para o vestibular como forma de ser a melhor no índice de aprovações e de angariar, dessa forma, mais clientes. Poderiam estar mais ocupadas em preparar o ser humano para a vida em aspectos maiores.

Em todas as grandes tradições do mundo, a ética desta tomada de consciência se expressa com: “O que faço aos demais, faço a mim mesmo”. Falta essa consciência a quem pratica o bullying e o assédio moral. Se entendermos que todos estamos conectados a todos os demais, então cada pessoa pode, de fato, fazer a diferença e há esperança para esse planeta.

Ao estimular um profundo sentido de conexão com os demais e com a Terra em todas as suas dimensões, a educação pode propiciar um sentido de responsabilidade em si mesmo, com os demais e com o planeta. Essa responsabilidade não é um peso e sim um direito quando se tem consciência do ganho proporcionado. A responsabilidade individual, de grupo e global desenvolve-se fomentando a compaixão que faz com que uma pessoa queira aliviar o sofrimento dos outros, inculcando a convicção de que a troca é possível e oferecendo os instrumentos que façam possível essas trocas.

Falamos muito em trabalhar em rede e em tecer teias de apoio em nossas instituições, em atuar de forma multidisciplinar em nossas profissões através de trocas de informações e serviços cooperativos. Na Educação, vemos a necessidade de integrar estruturas, objetivos e métodos em um trabalho interdisciplinar para fazer frente à transformação do mundo atual. A educação neste novo século precisa propiciar o reconhecimento de que toda vida neste planeta está conectada entre si de inúmeras maneiras, profundas e imperceptíveis. Assim como a Terra não está suspensa sozinha no espaço, também o ser humano precisa perceber-se conectado na importância de ter uma perspectiva global ao tratar com as realidades sociais e educativas. A educação deve promover respeito pela comunidade global da humanidade.

O desafio de criar uma sociedade sustentável, justa, pacífica e harmônica implica desenvolver uma sensibilidade ecológica, respeito profundo tanto por culturas indígenas como pelas culturas modernas, assim como pela diversidade de formas de vida do planeta. A Educação ideal expande a maneira com que nos vemos e a nossa relação com o mundo, celebrando nosso potencial humano inato: o instintivo emotivo, físico, imaginativo e criativo, assim como o racional, lógico e verbal.

Pais e Escolas devem formar uma unidade e mostrar aos filhos que esta estrada tem duas mãos. Uma das mãos é a nossa missão de ser responsáveis para com eles, mas a outra mão é a conexão que eles criam conosco em reconhecimento a isso, e a perpetuação dessas atitudes com as gerações futuras.

A grande escola, na realidade, é a das ações num novo modelo de relacionamento entre pais e filhos, escolas e alunos, um modelo em que essa educação não exista como uma coisa de cima para baixo, sentida como uma prepotência de pais e educadores que mais admoestam ou superprotegem do que instruem. Somos todos aprendizes e caminhamos juntos, ensinando e aprendendo uns com os outros. Essa caminhada é um processo que dura toda a vida. E as suas situações, boas ou ruins, podem facilitar essa aprendizagem.  Essa é a estrada que conduz ao caminhar no sentido da vida. Boa viagem a todos nós!

Este artigo foi publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p.20.

Sílvia Maria Günther –  Presidente da Escola de Pais – Seccional de Navegantes – SC, Arte Educadora por 30 anos, Psicóloga Clínica – individual, casal e família. Atua com Terapia Familiar Sistêmica/ Holística e Análise Transacional. Coach em Neurolinguística. Fone: (47) 9914-7126 E-mail silvia_nvg@hotmail.com    

Site:  http://www.clinicareabilitare.com.br/

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