Os pais têm um poder real, através das suas ações e exemplos, de estar educando os seus filhos, herdeiros do futuro e cidadãos do século XXI. Então, pergunta-se, qual o desafio da educação hoje?
Trabalhando como psicóloga, com Terapia de Família, percebe-se a busca dos pais modernos em oferecer o melhor para seus filhos, o problema está no manejo dessa questão; estão proporcionando uma vivência do muito, do excesso: brinquedos, roupas, aparelhos tecnológicos, muita superproteção, muitas regalias, direitos e facilidades, ao custo de grandes esforços dos adultos. Já os filhos, com uma postura de receber, esperar tudo pronto, cobrar e exigir mais e mais, eternamente insatisfeitos.
Hoje, os desejos das crianças e adolescentes parecem que são como direitos, ficando a mensagem implícita de que, “se você não me der você não me ama.”
Vive-se o perigo da overdose material, da ânsia consumista incentivada constantemente pela mídia, gerando a crise do “eu quero já!”, tornando crianças, adolescentes e até os adultos, escravos das suas próprias vontades. Com esse egocentrismo, onde só importam os desejos e interesses próprios, com ações egoístas, vai criando-se a cultura do: “só faço se tenho vontade”.
Segundo o psicólogo francês Yves de La Taille[i], estudioso da moral e da ética, “a vontade traduz desejos momentâneos, e a força de vontade, projetos”, esta com a perspectiva do presente e visão de futuro.
O autor cita um exemplo: “se tenho fome, mas tenho de terminar uma tarefa, posso deixar a fome de lado. Mas, se vivo apenas no hoje, no aqui e agora, a vontade estará sempre à frente”. Observa-se, com muita frequência, que quando as ações são movidas só pela vontade dos filhos, correm o sério risco de não acontecerem, de ficarem na promessa, com o famoso “depois eu faço”, “depois eu estudo”, “depois eu arrumo”.
Quando os pais compactuam com essa postura, aceitando-a passivamente, até porque não querem se incomodar, porque sua cobrança vai gerar reclamações e conflitos, fazendo as obrigações dos e pelos filhos, criam uma deformação da educação. Mudam o mundo para o “tadinho” dos pimpolhos, justificam a desobediência dos filhos com desculpas, criando a ilusão de se ter só direitos na vida.
Diante desse cenário, pergunta-se: o que vai acontecer com estas crianças e adolescentes educados só sob o alicerce das suas vontades, frente às exigências e cobranças sociais? E o que farão futuramente, no seu trabalho, com as suas tarefas e desafios, será que irão repetir a promessa do “depois eu faço”, postergando a ação?
Yves de La Taille[ii] afirma que “a educação hoje, em vez de ajudar a criança a transpor os seus limites, a mantém no seu estado infantil… Não precisam fazer esforço para caminhar, não precisam sair do lugar: o mundo vem até vocês… mas a que preço? A cultura se infantiliza. O grande fica pequeno. E o preço mais caro: a criança é desestimulada a erguer-se acima da sua condição infantil. Se todos os adultos engatinham à sua frente, para que ela precisa andar?”
A tirania dos filhos aparece como consequência, tirando a paz, a tranquilidade, os direitos, o dinheiro dos pais, exigindo que a sua vontade seja imediatamente satisfeita; não suportando ouvir um não, e com o núcleo da personalidade frágil para lidar com as frustrações e adversidades.
Educar dá trabalho, é um processo construído diariamente, que exige muitas repetições do que é certo e do que é errado, do que é bom e do que é ruim, sendo um projeto racional e não emocional para os pais.
A aprendizagem e a vivência dos direitos e deveres começam no primeiro ambiente de convivência social da criança, a sua família. Os pais são os responsáveis em ensinar e viver os deveres, as regras, como também, os direitos – os seus e de seus filhos. De oferecer a dose de realidade aos seus herdeiros, com amor, presença, acompanhamento frequente, mas também com rigor e exigência; cumprindo a sua missão de proporcionar e estimular o crescimento saudável, nos planos físico, psíquico e espiritual dos seus descendentes.
Não permitir que os filhos façam o que têm capacidade de fazer, significa aleijá-los. Deixando de fazer o que precisam, eles ficam em posição de esperadores e dependentes dos outros, inseguros, com baixa estima, dificultando os momentos de tomada de decisão e de atitudes, para enfrentar e superar os seus obstáculos e dificuldades.
Crescer, desenvolver-se, é superar limites, é realizar o seu processo de transformação pessoal! São múltiplas as passagens da infância para a idade adulta, aprendendo a andar e cair, a falar, escrever, a cuidar-se; tornando a pessoa mais madura e confiante nas suas próprias capacidades, experimentando a verdadeira alegria das suas conquistas e realizações.
O psiquiatra e palestrante Içami Tiba[iii] oferece um caminho prático e acessível para educar os herdeiros do futuro, com a Teoria da Cidadania Familiar, ensinando que: “ninguém pode fazer em casa o que não poderá fazer fora de casa. Assim, todos têm que praticar em casa o que terão de fazer lá fora”.
O educador cita o exemplo “das crianças nas brincadeiras que quando acaba a vontade, elas simplesmente largam os brinquedos, deixando a bagunça atrás”; faz um paralelo com o ato de ir ao banheiro, a criança vai satisfazer sua vontade fisiológica, mas precisa se limpar e dar descarga para completar o processo.
Essas vivências vão ensinando a realidade, a aprendizagem que tudo tem um começo, um meio e um fim, somado ao exercício da paciência e da perseverança para conquistar o que se quer, e que toda ação tem uma consequência.
No exemplo citado acima, que é muito corriqueiro, o que fazer com o (a) filho (a) que se nega a guardar ou cuidar do que é seu?
Ressalta-se que desde pequeno(a), para criar o hábito, como as escolas fazem com maestria, inclusive com trilha musical apropriada para a tarefa de guardar os brinquedos, as crianças tem a ajuda e orientação da professora, este procedimento se faz necessário também em casa, até os 7 – 8 anos; depois é indicado só a supervisão e estímulo de um adulto responsável.
A criança precisa praticar o que aprendeu, pois é a prática que consolida o saber. Quando não houver a obediência da criança com a ordem dada, e como a ordem para funcionar tem que ter um prazo de execução, o que funciona bem é: “vou contar até três”. Chegando no três, e não ficar parado no 2,8 ou 2,9, a consequência estabelecida previamente com a criança, tem que acontecer.
Para ser efetiva, a consequência precisa envolver uma perda para a criança, podendo ser a perda temporária do brinquedo ou até definitiva, dependendo da gravidade do fato, pois vale a regra de quem não cuidar do que tem, vai perdê-lo. Outro método eficaz é fazer perguntas sobre as tarefas e responsabilidades da criança ajudando-a no seu comprometimento, ressaltando o poder do elogio frente a realização da tarefa.
Guardar os brinquedos, os seus pertences, contribuir na execução das tarefas domésticas como prática da solidariedade, realizar as suas tarefas escolares com bom desempenho e no prazo estipulado, bem como estabelecer relações de respeito e demais valores éticos com as outras pessoas, são práticas adequadas e indicadas para as crianças e os adolescentes construírem seu processo de responsabilização e cidadania, vivendo uma vida real, com direitos e deveres.
Internalizando os conceitos de certo e errado, do que é bom e do que é ruim para mim e para os outros, de fazer o bem porque é bom, pois proporciona uma alegria, uma realização, vai-se contrapondo a atual cultura da vontade, pela cultura da obediência às regras e leis, tornando a convivência muito melhor e mais humana.
Este parece ser o desafio da educação hoje. Nós pais temos essa grande responsabilidade com um futuro melhor, educando os nossos herdeiros, com valores sólidos e reais, com direitos e deveres, na convivência próxima, amorosa e participativa.
Que possamos olhar para nossos filhos e oportunizar a descoberta do quão brilhantes eles são como seres humanos, no exercício das suas habilidades, competências e na superação dos seus limites pessoais com dignidade e orgulho.
Nós pais, podemos fazer melhor do que estamos fazendo, com nosso compromisso de educar os nossos filhos para o Brasil e o mundo melhor que queremos!
Referências
[i] CORTELLA, M.S.; LA TAILLE, Y. Nos labirintos da moral. Campinas: Papirus, 2005.
[ii] DE LA TAILLE, Y. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Editora Ática, 1998.
[iii] Pensamento estratégico para líderes de hoje e amanhã. São Paulo: Integrare Editora, 2008. Vários Autores.
Publicado na Revista nº 3, p. 18, da Escola de Pais – Biguaçu – junho de 2011.
Maria Olívia Schwalb Seleme – Psicóloga – CRP 12/00441. Terapeuta de Família, de Casal, e Adulto; Consultora Educacional; Palestrante; Contato (48)3224-0306.
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