Nestes muitos anos em que atuo como professora de Educação Sexual tenho tido contato com muitos pais, mães, com professores(as) que atuam desde a educação infantil ao ensino de graduação, com jovens e até mesmo com crianças das Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Posso garantir-lhes, pelas experiências vivenciadas e pelos estudos que venho realizando, que o tema “educação sexual” continua sendo um grande tabu na nossa sociedade; tanto na família, quanto na escola. Por mais que as coisas tenham mudado a nossa volta, “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, como diz Belchior na sua bela e eterna canção, quando o assunto é educação sexual.
Venho percebendo claramente a dificuldade de realizar um trabalho intencional de educação sexual com as crianças e com os jovens, por grande parte dessas duas instituições. Quando falo em um trabalho “intencional de educação sexual”, refiro-me à ação planejada conscientemente no sentido de dar a eles /elas não somente as informações de forma correta e tranquila, quando ocorrem as perguntas sobre o assunto, mas também tê-las organizada no seu planejamento ( seja escolar ou familiar). Esta ação deve ter o objetivo definido de transmitir as informações ao longo da vida, evitando dessa forma que muitos dos preconceitos, mitos e tabus que persistem em torno da sexualidade, sejam gerados ou continuem a ser repassados, resultado da desinformação ou das informações deturpadas.
Frutos que somos de uma cultura repressora do sexo, de uma cultura que não nos permitiu (e que ainda não nos permite) tratar das questões relacionadas a esta temática de forma tranquila e positiva, que muitas vezes não nos permite ao menos viver a sexualidade de forma prazerosa e livre de preconceitos, de uma cultura que continua engessando a sexualidade dentro de padrões de “normalidade”, desrespeitando e desconsiderando a diversidade sexual, como fazer um trabalho de educação sexual que quebre paradigmas e que desconstrua mitos e tabus? Sabemos que esta não é uma tarefa fácil e não há receitas prontas de como executá-la. Mas sabemos também que há sim muitas possibilidades, que há muitos caminhos que poderemos ir abrindo no sentido de se fazer um trabalho de educação sexual intencional, numa perspectiva emancipatória. Entendemos por um trabalho de educação sexual numa perspectiva emancipatória aquele que ensina a entender e a reaprender a ver o mundo. Uma educação sexual numa perspectiva emancipatória é aquela que contribui para a formação de sujeitos críticos, autônomos, responsáveis por seus próprios atos como é o sentido peculiar a palavra emancipatório. Uma verdadeira educação sexual numa perspectiva emancipatória é aquela que questiona a estrutura social e cultural construída. Para se fazer a critica à estrutura social e cultural construída há que se unir forças e se fazer uma parceria entre a família e a escola.
No entanto, percebe-se uma total falta de clareza e de consciência mesmo da necessidade e da urgência de fazer essa parceria e esse trabalho em conjunto. Fica então um jogo de empurra, empurra: a família esperando que a escola faça o seu papel, já que ela é a instituição encarregada de repassar as informações corretas e a escola esperando que a família faça o seu papel, temendo tocar no assunto e ir de encontro aos valores e normas familiares. Além disso, tem grande parte do seu grupo docente sentindo-se despreparado para trabalhar com os temas relacionados à sexualidade. Falta também por parte das duas instituições, a clareza de qual é o papel de cada uma delas neste trabalho. Como construir um caminho, frente a esses impasses?
Já falamos que não há receitas prontas e que esse caminho tem de ser construído em parceria. Definir e clarificar os espaços da família e da escola pode ser um primeiro e importante passo, evitando-se, dessa forma, que uma ou outra se sinta invadida ou desrespeitada. Como grande parte dos pais não possui leituras que esclareçam e desmitifiquem muitos aspectos da sexualidade, entendemos que cabe à família repassar os seus valores morais, éticos e, inclusive, religiosos. Isso não exclui a necessidade de pais e mães, pelo menos, se atualizarem sobre os assuntos. À escola, enquanto instituição formadora do saber, cabe, além de manter e repassar os valores morais e éticos universais como o respeito a si mesmo e ao outro e a todas as formas de ser e de pensar sobre a sexualidade, cabe oportunizar espaços de leituras e de debates acerca das temáticas ligadas à sexualidade, que sejam do interesse dos/as alunos/as. Exemplificando: cabe à família, de acordo com os seus valores éticos, estéticos, morais e religiosos conversar com seus filhos/as sobre o que pensam a respeito da iniciação sexual deles/as e repassar-lhes aquilo que acreditam e que esperam deles/as. Definir com eles/as os limites de suas ações. Nesse mesmo exemplo, cabe à escola possibilitar espaços de discussão sobre a iniciação sexual dos/as jovens, sempre trabalhando através do diálogo aberto, ouvindo as diferentes posições de seus/suas alunos/as, a partir dos valores que lhes foram repassados em casa, fazendo com que percebam a variedade de posições teóricas frente à mesma situação, sem privilégio de nenhuma. Cabe a escola fazer com que os/as jovens reflitam sobre tudo o que envolve um relacionamento sexual, observando o que há de positivo e de prazeroso nessa situação, bem como o que há de riscos e de conseqüências, muitas vezes não tão positivas. A partir dessas reflexões realizadas na escola e das orientações que receberam de forma tranquila e afetuosa em suas famílias, poderão sim tomar suas decisões conscientes do que é melhor para si mesmo/a, do que realmente quer para sua vida e para a vida do/a outro/a, e não a tomada de decisão a partir do medo, da insegurança e da repressão.
A proposta de um trabalho intencional de educação sexual numa perspectiva emancipatória deve fazer parte do Projeto Político Pedagógico da escola, pois ela deve ser pensada e decidida por toda a comunidade escolar, da qual a família também faz parte. Essa é, enfim, a nossa utopia! Utopia aqui entendida como Eduardo Galeano define: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.
Fica aqui o convite para que não deixemos de caminhar e de buscar encontrar o nosso caminho no sentido de realizar um trabalho de educação sexual numa perspectiva emancipatória!
Publicado na Revista n° 1 – 2009 – Escola de Pais – Seccional de Biguaçu
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