DROGAS: assunto de família

Não é uma tarefa fácil apontar os variados condicionantes que levam um jovem a se envolver com drogas e explicar as razões que justificariam tal situação num espaço exíguo de linhas, tentando entender por que drogas é um assunto de família. Mas à guisa de breves apontamentos sobre o problema, não entrando no mérito dos efeitos perversos provocados pelas drogas, torna-se oportuno, num primeiro momento, fazer uma  reflexão sobre a adolescência – que do latim, adolecer, significa “crescer, engrossar, tornar-se maior, atingir a maioridade”,  para compreendermos  porque não se pode responsabilizar tão somente a família pelo envolvimento do(a) filho(a) com o mundo das drogas. Não que os pais possam eximir-se da responsabilidade nesse processo, mas tecer, também, uma análise de que o meio social, o grupo de amigos, passa a ser uma das variáveis pontuais e instigantes ao adolescente que busca, num processo meio que inconsciente, sua autoafirmação numa relação de iguais.

A família é o grande elo do adolescente com o mundo externo, e nela repousa a responsabilidade de conduzir, orientar e repassar valores prospectivos ao futuro do filho, que esteve cercado, desde seu nascimento, com todos os cuidados, medos, angústias e afetos. No entanto, os pais não alcançam todos os ângulos pertinentes aos relacionamentos do filho no momento de sua saída de casa, já na primeira infância, quando do início de sua escolarização. O que dizer na adolescência, quando este lastro de amigos aumenta e que passam a fazer parte os amigos dos amigos de nosso filho?

Se não estivermos atentos a esse processo de independência de nosso adolescente, ele se torna presa fácil nos diferentes ambientes em que transita, ao contato e  consumo de drogas.

Onde residem os pontos de estrangulamento em que os pais perdem o controle da situação? Por que, a exemplo de um “líquido que escorre pelas mãos”, os pais não mais conseguem dar conta daquele direcionamento em que tanto sonharam ao futuro do filho? São questões que parecem ser de fácil resposta, por conta da dinâmica e velocidade das coisas na vida contemporânea, onde se perdem de vistas os próprios filhos. Mas não podemos ser tão simplistas assim.

As drogas, tornam-se sim um assunto de família, pois o ambiente externo a ela  é muito agressivo, convincente e inescrupuloso aos olhos dos valores repassados pelos pais.  

E quando acontece do filho se envolver com as drogas, muitos pais tendem a ignorar o fato, numa espécie de cegueira, reconhecendo a problemática apenas quando esta se agrava e foge do controle, se perguntando, inclusive,  onde foi que erraram, se nunca deixaram faltar nada em casa.

É sabido que a adolescência representa um período de profundas transformações, que impõe ao jovem grandes exigências de adaptações, numa fase de imensas crises existenciais e que passa por momentos de insegurança por se sentir impelido em abandonar o ponto de partida, em que referências históricas são rompidas e um novo caminho se inicia. Mesmo considerando família como a primeira fonte de socialização do indivíduo que, por meio dela, os jovens internalizam os princípios, valores e normas sociais, não impede que ele busque se libertar de algumas amarras.

Esse período existencial chamado adolescência é, segundo Scivoletto (2004), uma fase onde todos estão à procura de sua própria identidade. É o momento em que querem ser reconhecidos por serem eles mesmos e não mais filhos de alguém. Tudo o que diz respeito às normas da casa, é questionado, e tentam escolher seu próprio caminho, passando a ter ideias e ideais próprios, deixando de se espelhar apenas nos pais para se deixar influenciar também pelo grupo de amigos.

Nesse momento, a família também passa por um processo de estranhamento diante de tal fase, e os pais não se veem preparados para o exercício adequado e equilibrado de sua paternagem e maternagem, promovendo certo distanciamento do filho.

Frente ao processo de independência do adolescente, os amigos preenchem o vácuo do progressivo desprendimento da tutela dos pais e são tratados, pelos jovens, como se fossem os primeiros em importância na sua vida.  Não que se dê a ruptura com a família, mas sim a transformação de vínculos infantis de relacionamento por um tipo de vínculo mais maduro, mais social, independente e mais adulto. E, resguardadas as proporções de um jargão popular, “aí que mora o perigo”. Não é por nada que muitos pais, quando veem seus filhos às voltas com o consumo de drogas, tendem a culpar o grupo de amigos. E, como uma forma paliativa, para retirá-los do meio, de imediato buscam a internação do filho, na esperança de métodos de cura imediata, não se dando conta que o “furo” é mais embaixo.

Para um adolescente, conforme salienta Freitas (2002, p. 37-38)

[…] o seu grupo de pares é o lugar onde, através de comportamentos padronizados, ele busca certa segurança e um aumento de sua auto-estima. O espírito de grupo lhe dá a gratificante sensação de ser alguém. Alguém até certo ponto importante, por que acentua a diferença do tratamento recebido pelo grupo familiar. É um espaço protegido em que os aspectos geradores de angústia são atuados e respeitados pelos companheiros, pois todos vivem os mesmos conflitos.

Os pais precisam estar muito atentos a esse momento, reforçando cada vez mais os vínculos afetivos para garantir uma aproximação permitida, possibilitando, por meio do diálogo, a retomada das coordenadas educativas que sempre pensamos e tentamos passar aos filhos adolescentes. Por que se deve acentuar, nessa fase, uma atenção especial ao filho?

A resposta é clara e objetiva: é exatamente nessa fase que a questão das drogas na vida do adolescente surge nos interstícios da busca necessária de sua autoafirmação que, por vezes, manifesta-se como reflexo de um ambiente familiar incapaz de suportar as crises vivenciadas, quando o mesmo não está em condições de suportar resistências excessivas dos pais, às suas proporções e impulsos ainda tão desordenados. Cada um tem uma história diferente de como se introduziu no universo das drogas.  Não há uma fórmula que explique como, porque ou com que consequências um jovem procura as drogas.

O que se depreende dos diferentes estudos sobre o tema é que o jovem tenta dar uma prova de sua autonomia e autossuficiência, percebendo-se capaz de transgredir as normas estabelecidas pelo mundo dos adultos (pais), e que a curiosidade pelo novo e pelo proibido, bem como a pressão de seu grupo para determinados comportamentos, contribuem para que ele tenha suas primeiras experiências com as drogas lícitas e/ou ilícitas. E, nesse sentido, o uso emergente de drogas surge como uma forma de protesto à sua impotência em lidar com a realidade e com as forças que se movimentam dentro de si. O adolescente grita por limites ausentes. A sensação que se tem é de que os pais conseguem, com muita facilidade, esquecer um de seus papéis primordiais: estabelecer limites às crianças e adolescentes futuros, na condução de seus desejos. Esse é um componente no processo de formação educativa que assume um papel preventivo de grande relevância nas relações interpessoais do adolescente.

Muitos desejam sumir do mundo, que se torna cruel para eles. As drogas passam a ser uma válvula de escape prazeroso, capaz de solucionar problemas, eliminar angústias, dando uma sensação de força, potência e realização pessoal. Porém, é uma sensação de poder ilusória garantidora, naquele momento, de condições para que vença suas fragilidades.

Como se percebe, o universo de condicionantes capazes de envolver o adolescente ao mundo das drogas é muito grande. E quando não encontra em casa o ambiente favorável para compartilhar suas angústias, próprias da idade, naturalmente se isola e encontra nos “amigos” o refúgio necessário. E nem sempre os ambientes em que transita e as pessoas que dele participam favorecem para o não envolvimento com as drogas.

Por isso, drogas é um assunto de família que, por meio do diálogo, vínculos afetivos e atitudes coerentes dos pais, seja possível preparar o adolescente aos enfrentamentos que inevitavelmente terá de passar.

REFERÊNCIAS

FREITAS, Luiz Alberto Pereira de. Adolescência, família e drogas: a função paterna e a questão dos limites. Rio de Janeiro: Muad, 2002.

SCIVOLETTO, Sandra. A adolescência. In: BELYK, B; BACY, Fleitlich et al. Saúde mental do jovem brasileiro. São Paulo: Editora Inteligência, 2004.

Artigo publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p.7.

Célio Alves de Oliveira – Mestre em Antropologia e em Direito. Doutorando em Direito. Professor Universitário. Associado da Escola de Pais do Brasil – Seccional de Joaçaba/Herval d’Oeste desde 1986.

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