Crônica de um(ns) dia(s) de pai

O que quero escrever é coisa simples, normal, dia a dia e, talvez por isso, passe despercebida aos nossos olhos e sentidos. Mergulhemos na rotina de uma família onde tem um pai, uma mãe e dois filhos ainda pequenos com quatro, o menino, e seis anos de idade, a menina. Tínhamos nos programado para que eu gozasse férias em meados de julho, período em que minha esposa realizaria uma cirurgia dentária para correção de mordida cruzada e que precisaria de alguns dias de convalescença. Pois bem, a cirurgia aconteceu e acredito que foi a pior coisa que aconteceu em sua vida, não pelo fato cirúrgico em si e que, apesar de ser uma cirurgia de porte médio, ocorreu tudo dentro esperado. Sem nenhuma intercorrência, graça a Deus!  Mas pelo fato dela ter que ficar por muitos dias sem falar. Com a boca fechada, literalmente. Recebendo somente alimentação líquida, um tormento! A pessoa comporta-se como um mudo sem ser surdo. Ouve tudo, interage com o mundo sem conseguir se expressar verbalmente. O mais curioso, e que me chamou a atenção, foi o fato dela não poder falar, para uma mulher, uma tortura. Nesses dias assumi o papel de casa e transformei minha rotina, completamente. Não mais acordei às seis horas da manhã para ir ao trabalho, mas para dar uma das doses do medicamento para a esposa que seria naquele horário. Fiquei o tempo todo em casa, sem e-mail, sem celular e sem rotina de trabalho fora.

            Pude observar a hora na qual as crianças acordam e participar destes momentos. Lá pelas nove e meia da manhã meu filho acorda e vai direto a televisão. Ainda com o pijama, de meia, senta-se no sofá – meio sonâmbulo esboça um – bom dia papai!

            Seguro-o pela mão – não antes de dar o primeiro abraço do dia – e o conduzo ao quarto para ajudá-lo a trocar de roupa, depois escovar os dentes, lavar o rosto, calçar o tênis e ir a cozinha para tomar o café-da-manhã. Neste ínterim já se passaram alguns minutos e já são quase dez horas. Tenho que acordar minha filha para se trocar, escovar os dentes, lavar o rosto, calçar o tênis e ir à cozinha para tomar o café-da-manhã.

            O tempo passa enquanto eles olham desenhos na televisão ou me torturam para deixá-los brincar com os jogos do computador. Mas hoje não é dia de computador – “pai só hoje”, com as mãozinhas junto ao peito quase implorando. E com uma carinha de anjo que precisa ser forte para não ser encantado. Acho que fui seduzido – brincaram no computador. Antes disso, penso nos temas da escola e depois de muito relutar, sentamos. Entre uma brincadeira e outra consigo prender sua atenção em lapsos de momentos e concluímos o tema. O pensamento da minha filha naquele momento era o computador e não o tema porque era a sua vez de ganhar do irmão.

            Vou a cozinha e penso no almoço. Já estava programado, a empregada tem o cardápio preparado para todos os dias da semana, de segunda a sexta-feira, mas é prudente verificar se está tudo bem. Minha esposa é muito organizada, pensa em tudo, nos mínimos detalhes e meu pensamento, de homem, é limitado a uma coisa de cada vez.

Pois é, vamos lá. O almoço chega e eu nem vi o tempo passar. Interrompi neste período umas três brigas de irmãos. Rotina, nada de mais. Briga de irmãos – normal. Tenho que interferir em alguns momentos para acalmar os ânimos. E que ânimos! Vamos ao almoço e parece tudo bem até que um deles faz uma gracinha e o outro se incomoda – começa o furdunço. Penso, conto até três. Falo para mim mesmo – Calma!

Meu filho brinca mais do que come e, por isso, todos terminam e ele fica a mesa, atrasado. A estas horas, metade da comida esta fora do prato e outra metade, no chão.  Com uma paciência de assisto a tudo e, calmamente, volta à normalidade para a conclusão do almoço. Como dois raios levantam-se da mesa e saem em disparada para escovar os dentes, lavar o rosto e colocar o uniforme do colégio para irem à aula – quem chegar primeiro é…, e falam sempre uma bobagem.

Conferir as mochilas, a camiseta que esta no avesso, a marca de creme dental que ficou nas bochechas, o cabelo que está despenteado. Por que não calçou o tênis ainda? Eu não sei amarrar – retruca. O interessante é que sempre amarrou o tênis sozinho. Enfim, passada a revista, depois do abraço e beijo e tchau a mãe que fica em casa, vamos ao carro. Antes de sair, olho pelo retrovisor e vejo mochila e lancheira abertas, e quase tudo espalhado por cima do banco. Pergunto: cadê o cinto de segurança? Respondem uma frase feita – o carro não andou ainda! Até a escola é um papo descontraído, muitas gargalhadas, intrigas, perguntas que não consigo responder por que quando penso em uma, a outra já esta sendo feita. Meu filho repete o chamado umas vinte vezes: – pai, …, pai, …, pai! E eu, com a atenção no trânsito, quase não consigo atender aos seus chamados.

Deixo-os na escola. Minha filha mal se despede, um beijo rápido, a pedido, e a ansiedade de encontrar as amigas toma conta do seu tempo. De mãos dadas eu e meu filho vamos até sua sala de aula e um grande abraço, beijos e depois de quatro vezes dar tchau, finalmente volto para casa. Parece-me estranho, diferente. Estou sentindo novas sensações e inquietações. Nada anormal, somente diferente.

A tarde passa mais rápido que a manhã. Sem me dar conta o tempo se esvai.

É chegada a hora de buscá-los na escola. A rotina se repete. Vou à sala do meu filho e encontro-o feliz, sorridente e me faz a primeira pergunta: cadê mamãe? Tento explicar que a mãe esta em casa, enferma, e por isso fui buscá-los na escola e que minha rotina esta alterada porque estou em férias e não preciso ir trabalhar. Por quê? Pergunta ele. Explico tudo novamente, talvez não fosse convincente na minha explicação.

Voltamos para casa e, nestes tempos de inverno, a noite chega mais ligeiro. A janta – o ritual de repete – e tento entender com meu jeito de pai como é ser mãe no vai e vem dos dias.

Para dormir também. Veste o pijama, escova os dentes, faz xixi. Não podemos nos esquecer de rezar para o “santo anjo” antes de dormir. Coloco-os na cama e conto uma história, qualquer uma, e o imaginário flui e quando vemos a hora de dormir já se foi e precisamos descansar e começar amanhã tudo de novo.

            Vou dormir e fico pensando em tudo que vivi neste dia, quantas sensações, quantas emoções e a feliz, mas cansativa rotina de conviver com os filhos nesta idade. E, numa dessas noites, quando acordei para ver se estavam cobertos (o que toda a mãe faz e eu incorporei) que resolvi escrever esta crônica para contar que enfim, conheci a rotina de esposa, de mãe, de mulher. Que depois de um dia com tudo isso ainda precisa ter tempo para ir à faculdade, estudar, fazer provas e não ser reprovada no final do semestre. E digo mais, é uma das melhores alunas da classe.

Vaidade – e ela quer – afinal faz parte da sua alma de mulher estar bonita, com as unhas pintadas e aparadas, cabelo bem penteado, cheirosa, humm…! Quero parafrasear Roberto e Erasmo Carlos: “(…) mulher, na escola em que você foi ensinada jamais tirei um dez sou forte, mas não chego aos seus pés (…)”. Vivi a rotina da mãe sendo pai e estou me sentindo muito feliz.

 Publicado na Revista de set. 2010 da Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Joaçaba/Herval d’Oeste, Videira e Campos Novos. 

Eider Nunes Moreira e Nedriane Scaratti Moreira

Membros da Escola de Pais – Seccional Joaçaba e Herval d’Oeste

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