“O ponto de partida do amor consiste em permitir àqueles que amamos serem perfeitamente eles mesmos e não transformá-los para que se ajustem à nossa própria imagem. Caso contrário, amaremos apenas o reflexo de nós mesmos que encontramos neles” (Thomas Merton)
Estatísticas nacionais sobre casamentos revelam que, embora o número de divórcios tenha aumentado, os dados apontam claramente que o casamento é uma instituição estável. Os dados seguem uma tendência de maior oficialização, de casar com mais idade, mas também do aumento do número de divórcios. A família de hoje é diferente, e a tolerância para com o outro também. Em um momento histórico em que as relações efêmeras são abundantes, o sexo casual não causa mais surpresa, mulheres independentes fazem inseminações in vitro com sêmen de doador e as festas para comemorar o divórcio viraram moda, é importante fazer a pergunta: o casamento com papéis, roupas especiais e convidados, ainda vale a pena? Estudos antropológicos revelam que casamentos e uniões de fato ocorrem com pelo menos 92% das pessoas de todo o mundo. Isso significa que o ser humano gosta de compartilhar a vida e ficar sozinho é uma exceção. O ser humano é, por excelência, um ser social, e nada mais social (e que requer muitas habilidades interpessoais) do que passar 24 horas por dia com outra criatura, ouvir, ver, sentir e cheirar todo dia a mesma pessoa…. Há aqueles que se casam por razões erradas, como querer uma grande festa, ter medo da solidão, recuperar-se de um divórcio ou tentar solidificar uma relação que está na corda bamba. Neste caso a probabilidade de, em pouco tempo, preparar uma festa de divórcio, é muito alta. Enfim, roupas, festas e até papel passado talvez não sejam essenciais, mas cuidar da relação é imprescindível.
E um bom casamento melhor até a saúde física! Uma pesquisa americana fala da relação entre casamento satisfatório e saúde (revista Health Psychology): os autores estudaram 493 mulheres com idades entre 42 e 50 anos, em um estudo longitudinal que durou 13 anos. Foram medidos colesterol, pressão arterial, peso e características psicossociais (ansiedade, depressão, estresse etc.). Mulheres casadas completavam perguntas sobre satisfação em seu casamento (comunicação, atividade sexual, similaridades, tempo junto etc.). Os resultados mostraram que mulheres caracterizadas com alto nível de satisfação apresentaram vantagens em sua saúde global se comparadas com mulheres casadas e insatisfeitas e mulheres não casadas (solteiras, divorciadas, viúvas com idades equivalentes). Isso significa que havia menor nível de risco para doenças cardiovasculares, para pressão alta e para aumento de peso; menor risco de depressão e ansiedade para as casadas satisfeitas. Algumas explicações indicam que casamento contribui para afastar as pessoas do isolamento, trazendo maior suporte social; o parceiro pode apoiar e incentivar atitudes benéficas à saúde (“Você precisa fazer mais exercícios querida”, impedir comportamentos não saudáveis (“não coma tanta gordura, meu bem…”). Mulheres casadas geralmente têm melhor situação socioeconômica e, portanto, pode trazer melhor qualidade de vida material. Outras pesquisas trazem dados semelhantes para homens. No entanto, casamento insatisfatório aumenta os riscos contra a saúde…. portanto, deve-se cuidar do relacionamento com carinho.
Antigamente não havia um número expressivo de separações. Será que homens e mulheres eram mais tolerantes ou o casamento era encarado de outra forma? Existem diferentes fatores atuando nas separações conjugais. Um deles é, sem dúvida, a entrada da mulher no mercado de trabalho, o que gerou menor dependência financeira e, portanto, não precisava mais “aturar” um relacionamento conflituoso ou insatisfatório. Outro fator é o fato de que estamos em um mundo cada vez mais “descartável” e efêmero. Existe uma falta geral de altruísmo (querer o bem do outro) e empatia (sentir junto com o outro) e cada um quer saber apenas de si mesmo, do seu prazer, do seu ganho, seja material ou emocional. Dessa maneira, as novas gerações aprendem que quase tudo é descartável e substituível e não investem muito nas relações interpessoais: “ah., se houver briga, eu procuro outra pessoa”. Isso é um erro, pois um relacionamento verdadeiro é sempre dinâmico e as relações são dialéticas: a dialética vê o estado natural de um relacionamento como mudança, flutuação, evolução e movimento. Em caso de relacionamentos afetivos a regra parece ser que não existem regras perfeitas que possam servir para todos os casos. O ser humano está o tempo todo em mudança e um casal também. Às vezes os membros de um casal podem mudar em direções muito opostas: um ser mais maternal, outro mais ambicioso, e tudo pode ser dialético se depende do grau de satisfação que buscam. É preciso pensar que um casamento, ou qualquer outro relacionamento, também é um pouco ambivalente. Por exemplo, às vezes podemos sentir raiva de uma pessoa que amamos muito. Não podemos idealizar o outro ou a relação como perfeita, mas tomar consciência dos limites de cada um para proporcionar melhor equilíbrio à relação. Essa convivência dos opostos é uma coisa muito rica e dinâmica e cria uma unidade que proporciona ao casal muito apoio vida afora. Afinal, ter coisas novas ou relacionamentos novos todos os dias é muito cansativo. Ter um companheiro duradouro também pode ser emocionante: a experiência da companhia, de não estar só, de ter uma pessoa com quem se cria toda uma vida e que mantém o passado e o presente é fascinante.
A independência da mulher foi apenas um dos aspectos que contribuiu com as separações. O Estudos do IBGE mostram que a grande maioria das separações judiciais foram obtidas com consenso entre o casal (76%), mas as separações judiciais de natureza não-consensual foram, em 72% dos casos, requeridas pelas mulheres! Às vezes ela simplesmente cansa do comportamento masculino aprendido em suas histórias pessoais, em que se esperava uma mulheres “1001 utilidades”. Há diferenças regionais e socioeconômicas em nosso país. O homem de pouca condição sociocultural ainda deseja que a mulher só cuide dele e dos filhos, embora as mulheres de classes econômicas menos privilegiadas sempre trabalharam fora… como domésticas! As outras estão irrevogavelmente inseridas no mercado de trabalho e os homens esperam que elas também sejam provedoras. Mas ainda hoje, são as mulheres quem mais trabalham em casa. Os homens estão mudando mais lentamente. Ainda se espera almoço pronto e crianças encaminhadas (com tarefas feitas); as mulheres pertencentes a níveis socioculturais mais privilegiados tem empregadas, babás e motoristas, mas na classe média, em pleno século XXI, ainda é a mulher quem arca com o trabalho maior em casa, apesar de trabalhar fora e prover a casa como o seu companheiro. Por outro lado, às vezes, as próprias mulheres não reinvindicam esse novo papel de “cuidador de casa” do marido. Em teoria elas estão absolutamente mais assertivas, porém, durante muito tempo o papel exclusivo da mulher em casa e com os filhos era o seu único poder; era a mulher quem sabia como trocar fraldas ou fazer um bom prato; às vezes as mulheres, sem ter consciência, patinam neste papel onde não tinham competição: por exemplo, ao falar para o marido, “ah., vc não sabe mesmo trocar as fradas, deixe que eu faço”…, ou na cozinha, “eu ainda sou rainha”… etc. Isso lhe dá ainda poder exclusivo, diferente de outras áreas, como o trabalho, em que entraram recentemente e precisam competir com os homens. Bom seria, se estivéssemos todos juntos, colaborando em vez de competir. Será um sonho?
Vários fatores contribuem para desgastar um relacionamento e levar ao divórcio. Um abalo importante é a falta de diálogo que engloba outra tarefa essencial: capacidade de negociação. O diálogo como um todo é uma pedra fundamental, pois sabemos que a consciência é um produto social, ou seja, é necessário o conhecimento intersubjetivo para chegarmos à consciência. Ninguém fica consciente sozinho. Portanto, para chegar-se a este estágio dialético num relacionamento, percebo que o diálogo com o outro é essencial; preciso conhecer o outro para que eu próprio me conheça. Mas isso não implica aquela situação de ficar “discutindo a relação” o tempo todo! Sim, geralmente as mulheres gostam de fazer isso com mais frequência e ela é necessária, mas não a cada briguinha sentar para “discutir a relação”, isso também é desgastante. Em muitos momentos, é bom somente deixar o mal-estar passar e tocar adiante. Uma pesquisa que fizemos com 100 casais mostra claramente a relação estatisticamente significativa entre boa comunicação e bom casamento: os entrevistados que relataram alta satisfação conjugal mostram boa comunicação interpessoal, inclusive sabendo falar o que lhes incomoda.
A visão atual do casamento é que ele deve ser considerado uma parceria. Nada daquilo de antigamente que dizia que a mulher (ou o homem) “deveria casar para ser feliz”. Casa-se para ter cumplicidade e parceria para vida, mas cada um tem a responsabilidade de ser feliz por si mesmo. A história de “achar a tampa da panela” é incorreta. A panela e a tampa devem se ajustar, mas ser independentes também; melhor duas panelas. É interessante lembrar a história do casamento e do amor; embora eles existam desde o início dos tempos, a conjugação entre os dois, ou seja, casar por amor, só veio à tona no século 18, momento no qual houve o início de uma derrubada do casamento arranjado nas sociedades ocidentais. Mas foi nas últimas quatro décadas que o casamento foi abalado por mudanças astronômicas: as mulheres entraram no mercado de trabalho, o homem deixou de ser o provedor exclusivo, os métodos de contracepção tornaram-se eficazes. Atualmente, no Brasil, casar por amor é essencial. Mas para manter um casamento o amor é necessário, mas não é suficiente, ou seja, é preciso mais do que isso: objetivos comuns, características em comum, pensar nos filhos e no projeto de vida etc. Nos últimos 40 anos houve uma grande mudança em relação ao papel dos homens e os filhos: eles se tornaram muito mais próximos e isso é um ganho maravilhoso. Homens e mulheres, em sua maioria, querem a mesma coisa, casar por amor, ter um companheiro, um cúmplice, amante, alguém para dar e receber afeto e compartilhar a vida.
Alguns casais estão optando em ter menos filhos ou decidem não ter. Embora ainda seja uma minoria, pois a experiência de criar filhos e contribuir para o seu desenvolvimento e felicidade é trabalhosa, cansativa, onerosa, mas absolutamente maravilhosa e gratificante! No entanto, não devemos pensar que as pessoas que fazem parte de minorias – como essa de não querer ter filhos – estejam erradas. Nós todos somos constituídos principalmente pelas histórias de nossas vidas, então deve-se buscar nessas contingências passadas as nossas decisões, desejos e modos de ser.
De qualquer forma, em caso de separações, é preciso saber que, em geral, os filhos sofrem com divórcio e separações, portanto, o casal deve decidir primeiro e depois contar aos seus filhos: não adianta falar “estamos pensando em nos separar”, isso só faz o sofrimento vir antes e sem a certeza. Ao explicar a separação e o divórcio, explique claramente que não tem nada a ver com os filhos, que os filhos não têm culpa e que os pais não vão abandoná-los. O divórcio pode alterar a rotina de atividades dos filhos pela falta de dinheiro, pela ausência de quem levar, portanto ambos devem procurar ajuda da família extensa se for preciso para manter a rotina. O casal nunca deve dizer algo que possa colocar a culpa no seu filho: “o papai poderia não ter deixado essa casa se você fosse mais comportado” e lembrar sempre: não existe divórcio de filhos.
PARA UM BOM CASAMENTO? DOCE-DE-AMOR
Esta receita depende muito das pessoas envolvidas e ela sempre precisa ser feita por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Já foi testada no mundo inteiro, em todas as épocas e culturas e verificou-se que os ingredientes nunca são exatamente os mesmos e, muito menos, as porções são as mesmas para diferentes pessoas envolvidas. No entanto, quando existe forte determinação dos envolvidos para que a receita dê certo, ela tem sido aprovada e traz uma vida muito mais doce e colorida.
Ingredientes:
- A receita tradicional leva um Homem e uma Mulher – mas há outras variações – (de preferência com ótima autoestima) que desejam ficar junto por um bom tempo (pode ser pelo resto da vida);
- Uma grande dose de admiração e amizade. Quanto mais você colocar, maior a chance de conseguir o sabor de companheirismo e sinceridade. Não seja econômico;
- Uma porção de sonhos, atração e bom humor;
- Uma boa dose de confiança. Um pouquinho de ciúme pode ser atrativo; mais do que uma dose pequena pode fazer a receita desandar;
- Doses incalculáveis de carinho, atenção e sensualidade;
- Uma porção importante de individualidade para a massa ficar mais leve e solta;
- Uma generosa dose de tolerância, paciência, compreensão e altruísmo. Às vezes a receita final não tem a forma perfeita, mas traz muita paz e harmonia para quem a faz.
Modo de fazer:
Misture tudo com muita delicadeza. Nunca bata, pois isso só fará a receita estragar de vez. Às vezes existem algumas épocas da vida em que a receita tende a não dar certo, mas isso não significa que as pessoas envolvidas não possam fazê-la novamente. É só cuidar bem dos ingredientes e das porções e envolver-se novamente. Passe pela peneira para retirar os pontos mais ásperos. Trabalhe firmemente com as mãos para atenuar as imperfeições maiores Essa receita requer muito aquecimento; às vezes no colo, no sol de uma praia ou entre lençóis cheirosos. Carinho é um ingrediente indispensável e quase nunca é demais. Recheie com ternura sem medida.
Recomendações:
O “doce-de-amor ” dá muito trabalho e pode levar muito tempo para ser feito. Quando a receita é feita por iniciantes, eles acrescentam rapidamente o ingrediente da sensualidade e atração física, e geralmente sai o “doce-de-paixão” que também é muito bom. É importante que o “doce-de-paixão” seja experimentado antes do “doce-de-amor”, mas esse segundo é muito mais forte, tranqüilo, seguro e verdadeiro, e como o próprio nome diz, se muito bem feito e temperado, pode durar pelo resto da sua vida! Depois de algum tempo o ingrediente Mulher pode crescer muito. Não se assuste! Este fenômeno da natureza é esperado e faz com que sejam gerados novos ingredientes que, com o tempo, passarão a fazer parte de novas receitas e, desta forma, nunca faltarão os ingredientes principais deste doce-de-amor.
Tempo de preparação:
É muito variável. Pode levar apenas um instante para algumas pessoas, enquanto outras precisam de anos para acertar o ponto. A questão é que esse “doce-de-amor” nunca fica completamente pronto e precisa de cuidados por todas sua existência.
Sugestões:
Essa receita é essencial para que todas as outras receitas da vida sejam mais saborosas, por isso seja determinado na busca de todos os ingredientes. Em verdade, todas as virtudes são sempre bem vindas nas receitas de relações humanas. Polvilhe sempre com respeito e tenha foco nas coisas boas da vida.
Lidia Natalia Dobrianskyj Weber – Psicóloga, professora e pesquisadora da UFPR; mestre e doutora em Psicologia (USP) com pós-doutoramento em Desenvolvimento Familiar (UnB). Autora de 13 livros sobre relacionamentos, entre eles, “Eduque com carinho” (Juruá). www.lidiaweber.com.br
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