brigas entre os pais deixam marcas nos filhos

“Quando você olha para sua vida, as maiores felicidades são as felicidades da família” (Joyce Brothers).

Conflitos fazem parte de qualquer família. Não consigo imaginar uma família que nunca briga por nada e parece ter saído de um comercial de leite desnatado, onde todo cenário é bege e tem como fundo musical uma melodia alegre e, ao mesmo tempo, tranquila e reconfortante. A vida real não tem trilha sonora nem é colorida apenas com tons pastéis. Muitas vezes as cores fortes sobressaem-se nos conflitos. É preciso enfatizar que é natural haver brigas familiares. Assim como em outros contextos, as relações interpessoais em uma família são dinâmicas e fazem parte de um complexo sistema que engloba outros sistemas. No entanto, é preciso cuidar muito e ponderar sobre a frequência e a intensidade desses conflitos, em especial quando as discussões ocorrem entre os pais (casados ou separados) na frente dos filhos.

A relação entre pais e filhos, assim como as práticas educativas parentais, têm sido estudadas há muitas décadas pela Psicologia. Atualmente, não é mais possível dizer que cada um educa como quer, pois os cientistas já pesquisaram e descobriram uma série enorme de fatores que tanto podem ser bons, quanto nocivos ao desenvolvimento dos filhos. Não é apenas dizer qual comportamento é “adequado” ou “inadequado”, mas a ciência estuda qual comportamento dos pais ajuda (é um fator de proteção) ou prejudica (é um fator de risco) o desenvolvimento global de crianças e adolescentes. São muitos aspectos sobre essa complexa relação que merecem ser compreendidos, mas neste artigo, vamos falar das brigas entre os pais.

Nos últimos anos, pesquisadores de diferentes partes do mundo, estão pesquisando sistematicamente não apenas as estratégias que os pais usam para educar seus filhos, mas o relacionamento entre os pais e sua influência no desenvolvimento de crianças e adolescentes.  Os resultados dessas pesquisas são muito claros e revelam que não basta os pais terem ótimas práticas educativas, é essencial que eles também tenham bom relacionamento entre eles. Estuda-se a família como um sistema completo e integrado que inclui três relações de influências mútuas: mãe-filhos, pai-filhos e relação conjugal, ou seja, os sistemas são interdependentes. Se já vimos que é praticamente impossível não haver conflitos familiares, é indispensável ter consciência de que a melhor forma de transmitir um valor moral, ou um comportamento, é através do exemplo. Desde muito cedo, os filhos são excelentes observadores e estão atentos, o tempo todo, ao tipo de comportamento emitido pelos pais. Os comportamentos mantidos por figuras afetivas fortes, geralmente são incorporados ao próprio repertório comportamental, ou seja, as crianças aprendem esses padrões comportamentais e os adaptam às suas próprias vidas. E vale lembrar que apresentar uma regra não é tão eficiente quanto demonstrar que os pais seguem aquela regra. Se a situação entre os pais é frequentemente belicosa e não saudável, os filhos vão aprender um modelo de se relacionar que não é salutar. E o contrário também é verdadeiro, um bom relacionamento vai ensinar um modelo positivo e benéfico de se relacionar.

Pesquisas que tenho realizado revelam fortes relações entre brigas dos pais e comportamento dos filhos. Por exemplo, um dos resultados revela que quanto mais frequentes as brigas conjugais, mais frequentes também são os castigos físicos aplicados aos filhos.  Parece que os pais mais estressados entre si acabam por descontar nos filhos. Além disso, as crianças têm mais problemas em se relacionar socialmente, maiores dificuldades no setor das amizades e estão mais frequentemente engajadas em provocações na escola ou bullying.

Muitas vezes, os filhos sentem-se culpados pelas brigas entre os pais. Principalmente, crianças menores podem não entender o motivo real da discussão e podem vir a acreditar que elas são o motivo da discórdia. Aliás, essa situação em caso de pais separados é bastante frequente. Nunca se deve pedir aos filhos que tomem partido, ou pior ainda, falar mal do parceiro trazendo uma situação muito prejudicial conhecida como “alienação parental”, que ficará para um próximo artigo.

Os estudos mostram que bater portas, gritar e xingar um com o outro ou ficar enraizado no silêncio podem trazer cicatrizes emocionais nas crianças. Isso sem falar nos terríveis ataques físicos. Os pesquisadores descobriram que crianças desses lares crescem mais inseguras e estão mais predispostas tanto a problemas de comportamentos chamados interiorizados, como depressão e ansiedade, quanto a problemas de comportamentos exteriorizados, como agressividade, delinquência etc.  No entanto, as pesquisas também revelam que nem todos os conflitos são prejudiciais. Brigas existem e fazem parte dos relacionamentos, mas se os pais evitam criticar de maneira brusca o outro, não adquirem a postura de ficar em silêncio por dias e não usam violência física, e tentam resolver seus conflitos de maneira construtiva, os filhos não são terrivelmente prejudicados pelos conflitos. A chave para ter filhos com ótimo desenvolvimento não é uma família “bege” e livre de qualquer conflito, até porque isso é impossível. A questão é os pais serem capazes de controlar suas emoções, de discutir de maneira justa e encontrar maneiras de resolver os conflitos de modo que não ameacem sua família. Os pais podem brigar e, ao mesmo tempo, colocar coisas boas um para o outro durante a discussão e discordar de maneira afetiva. Mostrar que a divergência é natural, mas deve ser tratada com afeto e gentileza.  Com isso, os filhos aprendem que discussões e pensamentos diferentes podem ser solucionados de maneira positiva e isso vai ajudá-los nos conflitos decorrentes das relações interpessoais ao longo de sua vida. Não é pouca coisa ensinar isso a um filho!

Se, eventualmente, uma discussão sair do controle é crucial sentar com a criança e conversar sobre o que aconteceu. Evitar brigar na frente das crianças é fundamental, mas não pense que apenas o fato de ir até o quarto salva a situação. As crianças estão alertas e percebem palavras sarcásticas e silêncios gelados entre os pais. Pesquisas revelam que crianças de três anos já conseguem perceber tensão entre os pais. Dizer claramente que ela não teve nada a ver com o conflito e até pedir desculpas se o comportamento dos pais foi inadequado, como gritar ou xingar. É muito valoroso a criança aprender que os seres humanos erram e sabem reconhecer seus erros. Fazer com que a criança acompanhe a resolução da briga é uma boa medida, sempre dentro do contexto da sua idade e maturidade. Conflitos fazem parte da vida, mas lidar com eles de maneira graciosa no seio da família também deve ser parte do compromisso.

Em resumo, conflitos continuados e/ou ríspidos podem trazer danos aos filhos: eles sentem que não estão seguros, preocupam-se com a ideia de tomar partido, acham que a culpa é deles, tem um modelo inadequado de resolução de conflitos, produzem baixa autoestima, induzem a comportamentos agressivos, a qualidade das práticas parentais fica seriamente rebaixada e a relação entre pais e filhos torna-se descuidada.

Algumas dicas sobre brigas entre os pais, indicam que os pais devem: ter total discernimento dos danos que poderão  causar; aprender  habilidades de comunicação positiva; se houve algum deslize na frente dos filhos, conversar com eles e dar alguma informação sobre o conflito e a forma de resolução; aprender técnicas de autocontrole para não gritar nem criticar asperamente o parceiro na frente dos filhos; aprender técnicas para controlar a raiva, como contar até 10, sair do ambiente por alguns minutos; não fazer dos filhos confidentes falando mal do parceiro e, assim, aproximando-se da alienação parental; não pedir, em hipótese alguma, que os filhos tomem partido de um ou de outro em uma briga; se precisar, não hesite em procurar ajuda profissional.

Como em outras situações, relacionar-se não é simples nem fácil. É preciso, primeiramente, ter consciência do problema e, em seguir, adquirir e exercitar habilidades específicas para lidar com ele. Fazemos tantas coisas difíceis, não é mesmo? Ficamos horas escrevendo algum relatório, preparando uma receita complicada ou lavando o carro para deixá-lo brilhando e sem nenhuma marquinha. Fazer um esforço para conviver harmoniosamente com a família e deixar um legado saudável, otimista e que favoreça o desenvolvimento do filho é muito mais gratificante e vital.

 

Lídia Dobrianskyj Weber – Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia (USP) com pós-doutorado em Desenvolvimento Familiar (UnB); professora, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, palestrante e autora de 13 livros, entre eles “Eduque com Carinho: equilíbrio entre amor e limites” (Juruá) na sua 16a. tiragem e também publicado na Espanha.  www.lidiaweber.com.br

Artigo publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional da Grande Florianópolis nº 6, junho de 2015, p. 12.

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