A maior parte das crianças não sabe estudar. Geralmente, fazem-no por obrigação e sem método. E os professores não têm tempo para esta “sobrecarga”. Não há “poções mágicas”, mas um estudo regular, um resumo ou uma cábula podem fazer a diferença… rumo ao sucesso.
Saber estudar é uma competência fundamental para todos os alunos e, sobretudo, uma arte. Que se pode dominar com alguns hábitos simples e umas quantas técnicas de estudo. Mas, na verdade, o que acontece é que a maior parte dos nossos estudantes limita-se a “empinar” a matéria na véspera dos malfadados testes e esquece o trabalho contínuo que se exige para apreender e consolidar conhecimentos. A par disto, acresce a ideia de que os bons estudiosos são alunos “marrões”, de óculos graduados e ar pálido, desprovidos de vida social e de sentido de humor.
Fernanda Carrilho, professora de Português, investigadora e autora dos livros “Métodos e Técnicas de Estudo” e “Como Estudar Melhor”, começa logo por desmistificar esta ideia: um aluno com sucesso escolar “não é um alienado”, também tem “uma vida social ativa, lê livros, vê televisão, vai ao cinema, pratica desporto, tem hobbies e está a par do que se passa no país e no mundo”.
Preconceitos à parte, a verdade é que “a maioria dos alunos ainda não tem um bom processo de estudo. Estudam de forma mais obrigada do que consciente, insistindo em estratégias passivas e repetitivas”, alerta Renato Paiva, diretor da Clínica da Educação e autor do livro “Ensina o teu filho a estudar”. Fernanda Carrilho concorda: “Os alunos não têm métodos de estudo”. Uma realidade que pode minar o percurso acadêmico e o sucesso profissional. É que, nota, “muitas vezes têm capacidades mas, como lhes falta método, acabam por falhar”.
A culpa, reconhece esta professora, encarregada de educação e autora, é do próprio sistema de educação que, à falta de disponibilidade para o ensino de “regras básicas”, acaba por contribuir para a má preparação dos alunos. “As crianças não são ensinadas a estudar”, acusa, admitindo que os professores, condicionados por “programas exigentes” e uma carga horária pesada, “não têm tempo para ensinar a estudar”. Resultado: resta-lhes as suas aptidões naturais (mas as crianças não são todas iguais) e o apoio dos pais (nem todos os alunos têm a sorte de ter pais que os ajudam), numa tarefa que se exige constante, disciplinada e metódica.
Pela vida fora
“As crianças não nascem ensinadas sobre como devem estudar”, nota Renato Paiva, para salientar que “saber estudar é dominar um processo de trabalho que produz bons resultados” e “aumentar a eficiência da aprendizagem permite um percurso mais tranquilo e com maior sucesso dos alunos”. Fernanda Carrilho adianta que saber estudar “condiciona, inequivocamente, a prestação enquanto aluno”, além de ser “determinante para o ingresso num bom estabelecimento de ensino superior” e, posteriormente, “ decisivo na entrada no mundo do trabalho”. Mais. “A falta de método de estudo acaba por acompanhar a pessoa pela vida fora. Por isso, quanto mais cedo as técnicas forem ensinadas e interiorizadas, mais facilitado e promissor será o futuro”.
Renato Paiva concorda. Esta aprendizagem deve ser iniciada logo no 1º ciclo, para que se possam ir “explorando e experimentando ao longo do tempo as diversas estratégias para uma melhor percepção de quais as mais eficientes em cada caso”. A propósito, o autor, com vasta experiência na área da formação, salienta que este pode ser um processo com falhanços e que “nem todos aprendemos da mesma maneira”, lembrando que há alunos “mais auditivos, outros mais sinestésicos, outros mais visuais, outros mais musicais…”
“Aprende-se a estudar, tal como se aprende muitas outras coisas, e o erro faz parte do processo”, diz, reconhecendo que “temos perfis de aprendizagem diferentes”, pelo que “é importante adequar a estratégia de estudo ao perfil de aprendizagem de cada um”. Deste modo, garante, “aumenta-se a eficiência do trabalho realizado tornando-o mais gratificante, mais simples, menos moroso e mais entusiasmante”. Afinal, como lembra Renato Paiva, “não aprende mais quem estuda mais, mas quem estuda melhor”.
Técnicas e etapas
Mas, afinal, como se estuda? Que condições, estratégias, práticas e orientações há que ter em conta? Para começar, defende Renato Paiva, que exerce também coaching pedagógico, há que ter consciência de que “devem existir dois tipos de estudo importantes: um de acompanhamento e outro de preparação para um elemento de avaliação”. E depois, prossegue, há que “insistir mais em estratégias ativas em que põem no papel o conhecimento e onde treinam a demonstração do que sabem”. Afinal, lembra, ”é por isso que são avaliados, não pelo que sabem, mas pelo que demonstram saber e isso é importante treinar-se”.
Especificando, o formador e orientador avança no seu livro “Ensina o teu filho a estudar” algumas ideias-chave. Para começar, uma velha máxima tão bem conhecida dos estudantes mas, como todos sabemos, tantas vezes ignorada. “Há que estudar com frequência e antecedência”, defende, justificando que esta prática não só tem benefícios a nível dos resultados acadêmicos, como do bem-estar emocional. “Quem estudar regularmente, não sente tanta ansiedade, tanto nervosismo ou tanto stresse”, fatores que, como é sabido, tantas vezes contribuem para “dissabores” nos testes. Além de que, nota ainda, “se o aluno estudar com regularidade, é-lhe indiferente, por exemplo, as datas dos testes ou se tem testes seguidos, conseguindo melhores resultados em testes-surpresa”.
Quanto ao estudo propriamente dito, o autor enumera três etapas distintas: apreensão e compreensão dos conhecimentos (fase em que se contacta com a matéria nova); reprodução da informação por palavras suas (altura de fazer os seus resumos , apontamentos, esquemas e explicações) e, finalmente, fazer exercícios (oportunidade para demonstrarem aquilo que sabem, dar diferentes respostas a diferentes perguntas). Quanto ao esforço a distribuir por cada uma destas fases, Renato Paiva defende a regra dos 20-40-40, o que significa 20 por cento para a apreensão de conhecimentos, 40 por cento para a concretização por palavras suas do que se aprendeu e 40 por cento para a resolução de exercícios. Ou seja, há que dedicar menor tempo a uma “atividade passiva” e incidir mais tempo na produção dos seus próprios conteúdos e na resolução de exercícios. A par disto, o autor enumera outras prioridades, como a promoção de momentos de pausa e descanso – “saber estudar implica também saber parar” –, a diversificação de estratégias em função das temáticas, a dedicação particular às disciplinas preferidas ou, simplesmente, a escolha de um local de estudo adequado.
Fernanda Carrilho, por seu turno, salienta a importância da planificação das atividades para conseguir uma boa gestão do tempo e “o uso de técnicas de estudo (sublinhado, esquema, resumos…), que promovem a concentração e a memorização”. Finalmente, destaca a leitura como “uma das ferramentas mais importantes”, lembrando que, “sendo fomentada desde tenra idade, traz inúmeros benefícios: facilita a compreensão dos conteúdos, melhora a escrita e aumenta o espírito crítico, entre tantos outros”. Paralelamente, acrescenta, existem outros “aspetos a ser observados desde muito cedo, como a criação de um ambiente adequado ou a elaboração de um horário de estudo, os quais devem ser fomentados e supervisionados pelos pais”.
Conselhos aos pais
A propósito da intervenção dos pais, deixa o alerta: “Jamais deixem os filhos/educandos entregues à sua sorte”. Por alguma razão, justifica, “nos muitos inquéritos que fiz e conversas que tive com alunos, nomeadamente do ensino secundário, constatei que estes (embora nem sempre o digam diretamente) sentem a falta de alguém que lhes dê apoio…”.
Especificando, começa por realçar a importância dos pais proporcionarem “condições de estudo necessárias, sejam elas ambientais (em termos de espaço e mobiliário, material, etc.), físicas (alimentação, descanso, promoção de atividades extracurriculares) e psicológicas (estando muito atentos a questões como sinais de depressão, ou comportamentos que se desviem do seu padrão)”.
Depois, prossegue, há que procurar estar a par do que acontece na escola. Como? Entrar em contacto com o diretor de turma (caso não possa ser pessoalmente, por telefone), estar atento às datas de testes e trabalhos, mostrar interesse pelas atividades e planear a vida familiar de acordo com o calendário escolar. E se o tempo for escasso, sugere, há que “aproveitar a hora das refeições (com a televisão desligada) para se poder conversar e perceber como as coisas estão a correr”.
Finalmente, e antes de tudo isto, há que motivar a criança pois “sem motivação nada se consegue”. E como se entusiasma uma criança a estudar? Renato Paiva refere que “dar bons exemplos de profissionalismo e dedicação à profissão é um bom início”, mas “ajudar a definir objetivos a curto e médio prazo é também importante para um acompanhamento e maior entusiasmo à medida que se vão conseguindo superar obstáculos”. Por outro lado, nota, há que “valorizar os sucessos e aprender com os fracassos” e ter atenção que “iniciar bem também é um fator motivador (é sempre mais motivador manter uma boa nota do que superar uma má)”. Por isso, está na hora de começar a… rever a matéria! E, já agora, com um sorriso nos lábios porque, como escreve Fernanda Carrilho, “o pensamento positivo é meio caminho andado para o sucesso”.
Os TPC são (mesmo) necessários?
Verdadeiro “quebra-cabeças” para pais e filhos, os famosos Trabalhos Para Casa (TPC) continuam a colher opiniões… e divergências. São realmente necessários para consolidar os conhecimentos? Renato Paiva considera-os “ importantes se não forem mais do mesmo que se faz na escola”. Ou seja, “devem funcionar como desafiadores para consolidação da matéria e não como meras repetições de treino entediantes”. E, mais que a repetição exaustiva da matéria, podem funcionar como “um reforço” orientado num trabalho de autonomia e consolidação”. Porque, justifica, “fazer em casa o que não se fez nas aulas por falta de tempo ou realizar toneladas de exercícios semelhantes não é nem muito motivador nem muito proveitoso”. Fernanda Carrilho também é apologista do trabalho de casa. “Desde que não sejam em demasia (porque os alunos também precisam de algum tempo livre), os trabalhos de casa são de extrema importância e necessários para o sucesso de qualquer aluno” uma vez que “permitem rever o que foi dado na aula, obrigam a momentos de concentração e de estudo, ajudam a memorizar os conteúdos e são uma excelente preparação para testes e exames”.
Além do estudo regular e planificado, há outros aspectos a ter em conta.
– O local de estudo deve ser calmo, bem iluminado, arejado e minimalista (objetos desnecessários podem ser motivo de descontração); a mesa deve ser ampla e com gavetas e a cadeira confortável e adequada à estatura do aluno (as pernas devem formar um ângulo reto e as plantas dos pés devem ficar assentes no chão).
– A atividade física, as atividades extracurriculares e uma alimentação equilibrada são essenciais para um bom desempenho escolar.
– Uma atitude positiva e confiante ajuda a alcançar os objetivos com mais facilidade.
– É importante ser pontual, estar atento e participativo nas aulas.
– O cansaço físico e/ou psicológico é prejudicial. Por vezes, é melhor parar de estudar.
– Uma leitura rápida da matéria nem sempre é eficaz.
À velocidade, há que juntar compreensão.
– Sublinhar, anotar, fazer esquemas, resumos (ou mesmo cábulas!) são um bom caminho. Também ajuda ao raciocínio lógico fazer charadas, enigmas e adivinhas.
– A memorização faz parte do estudo, mas não deve tornar-se um hábito.
– Na véspera de um teste, é importante rever a matéria (fazendo muitos exercícios), tomar um banho relaxante e deitar cedo. No dia, é importante tomar um bom pequeno-almoço e, se necessário, rever os principais tópicos da matéria. Há que evitar a companhia dos colegas ansiosos e os pensamentos negativos.
– Os pais devem apoiar, mas não dar resposta a todas as solicitações.
http://www.paisefilhos.pt/index.php/familia/educacao/6984-aprender-a-estudar?showall=1
Escrito por Helena Gatinho
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