ADOLESCÊNCIA: a esperança em contextos de medo, incertezas e sofrimentos psíquicos

Sabemos que a adolescência é um período de passagem, de transição, e esse percurso corresponde ao fim da infância e se estende até o ingresso na vida adulta. Essa trajetória é delicada e marcada por dificuldades e desafios, já que encerra em si transformações que vão desde a ordem biológica, passando pela esfera social e atinge ainda a vida subjetiva, psíquica dos indivíduos.

No que se refere à biologia temos a chamada puberdade que pode ser caracterizada pelas transformações corporais, engendradas pelos hormônios, que levam às distinções do corpo masculino e feminino, ao desenvolvimento físico acentuado e à maturação das funções reprodutivas, ou seja, é o período marcado pela perda (e o enlutamento) do corpo infantil com o advento do corpo maduro, sexuado e pronto para a reprodução.

Já no que diz respeito ao aspecto social, o desafio da transitoriedade tipicamente adolescente se dá pela conquista da emancipação e da autonomia frente à dependência infantil. Essa tarefa não se traduz em algo simples e fácil, pois a crescente competitividade e as exigências cada vez mais severas do mundo real do trabalho demandam um longo período de preparo por parte do adolescente, fato esse que tem contribuído significativamente para o prolongamento da adolescência, que atualmente se estende até por volta dos 25 anos.

Já na esfera subjetiva é importante mencionar a presença de grandes transformações no comportamento e no humor. Assim, o perfil do adolescente, mesmo que a olho nu, nos leva a nos depararmos com alguém volúvel e instável. O jovem passa com facilidade de um estado de alegria para um desânimo depressivo, de uma agitação e euforia para a pura indolência, da revolta e da intransigência para se portar como um colaborador amável. É alguém capaz de adorar, idealizar artistas, personagens de filmes, de séries, de videogame e lideranças polêmicas que contrastam e contestam todos os valores e regras familiares, e adota ainda uma postura semelhante com o grupo de amigos, que pode seguir de forma fervorosa, mesmo que as atitudes de tais pessoas sejam reprováveis. Quanto à relação com os pais, não é nada incomum o adolescente imprimir um tom de ofensa, de rivalidade, de rebeldia e de contestação.

Se apresentássemos esse perfil psicológico a qualquer estudioso da psicopatologia, sem mencionar que se trata do período da adolescência, certamente teríamos como resultado um quadro de anormalidade psíquica. Mas se tratando de adolescente nada mais normal.

A normalidade adolescente, que assume feições disfóricas, exige muitíssimo de pais, familiares, professores e profissionais da área da saúde mental. Porém, essa exigência fica ainda mais complexa quanto levamos em consideração as características do mundo atual, isto é, o mal-estar social engendrado pela pós-modernidade.

A cultura do narcisismo, a ditadura da felicidade e a necessidade imperiosa de exibir-se, sobretudo nas redes sociais, provocam um impacto significativo na subjetividade humana. Essas características contemporâneas se apresentam como bastante desafiadoras para os adultos e ainda são capazes de exasperá-los. Se a tarefa já é árdua para a maturidade, como pensá-la para indivíduos em formação, ou seja, para aqueles que ainda não se apropriaram de si mesmos, como os adolescentes?

A resposta não é pronta, porém a crise adolescente traz em seu bojo um terreno bastante fértil para o criar e é justamente a capacidade criativa do adolescer que se apresenta como esperança nesse contexto de tamanha incerteza. O mesmo adolescente que é capaz de se portar de forma tão instável também é igualmente capaz de se inflamar pelas grandes causas, de se apaixonar pela ética, pela justiça, pela igualdade e contaminar o outro com suas paixões. O jovem é ávido em experimentar novas formas de viver experiências e afetos como o amor, a amizade, a admiração e o respeito.

É apostando nessa potencialidade criativa, inventiva e transformadora do adolescente que superaremos os desafios dessa fase de transição, tantas vezes já superado pelas gerações que nos antecederam.

Dra. Cristiane Maretti Marangoni Valli – Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP (2015), mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (2007) e graduada em Psicologia pela PUC-Campinas (2001). Professora da PUC-Campinas com vínculo integral de 40 horas semanais. Têm experiência na área clínica e social, com ênfase em Psicanálise.

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