Este texto é fruto de reflexões promovidas pelo curso de extensão intitulado Conversando sobre a sexualidade adolescente na modalidade a distância, oferecido pelo Cead/Udesc no primeiro semestre de 2007. Trata da educação sexual na fase adolescente da vida do ser humano, incluindo o papel da família e da escola nesse processo. Para isso, em primeiro lugar, resgata e analisa alguns conceitos sobre educação, sexualidade, adolescência e puberdade. Em segundo lugar, apresenta dados e relatos de uma intervenção pedagógica pontual numa turma de 5ª. Série de escola pública. Em terceiro lugar apresenta dados de uma ação contínua dentro de um projeto integrado. Por último, apresenta as considerações finais sobre o tema. Pretende contribuir para o avanço teórico na área da sexualidade humana com repercussões para as práticas educacionais.
Resgatando alguns conceitos
É preciso esclarecer, num primeiro momento, que a educação sexual faz parte de um conjunto maior que denominamos de educação integral. Educar integralmente uma pessoa significa desenvolver todas as suas potencialidades capacitando-a a agir e interagir com o seu meio, inclusive, no que diz respeito à sua sexualidade.
A Constituição Federal de 1988, no Art. 205. diz que “ A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ao mencionar o pleno desenvolvimento da pessoa, entende-se nesse mérito a necessidade também da educação sexual como direito de todos dever do Estado e da Família.
Além disso, a LDB 9394/96[1], em seu Art. 2º reforça a afirmação federal dizendo que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O Estado cumpre o seu dever disciplinando a educação escolar por meio do ensino. Em termos nacionais, o ensino obedece a alguns eixos determinados pelos PCN[2]. Dentre eles, insere-se o eixo da cidadania, o qual possibilita desenvolver as capacidades necessárias para a participação social efetiva, ou seja, o desenvolvimento de valores por meio dos temas transversais. Os temas transversais “tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias , pelos alunos e educadores em seu cotidiano (PCN, 1998)”. São questões urgentes sobre a realidade que está sendo construída e permeiam todas as áreas do currículo escolar, por isso uma educação que visa cidadania traz como tema transversal a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde, a orientação sexual, o trabalho e consumo. A orientação sexual apontada nos PCN trata teoricamente o tema da sexualidade na infância e adolescência e avança para o trabalho de orientação sexual na escola.
Em termos estaduais, a Proposta Curricular de Santa Catarina, por adotar a concepção histórico-cultural de aprendizagem, em suas primeiras páginas dedica algumas páginas à Educação Sexual na infância e adolescência para orientar o ensino nas escolas.
Convém, agora, indagar: o que é educação?
Segundo o dicionário Houaiss (2001), em suas acepções “1 aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano; pedagogia, didática, ensino; 2 o conjunto desses métodos; pedagogia, instrução, ensino; 3. conhecimento e desenvolvimento resultantes desse processo; preparo.” Corroborando esse conceito, acrescenta-se ainda que “educar é intervir no processo de crescimento e desenvolvimento da criança imprimindo-lhe uma direção (EPB, 2006)”[3].
Analisando os dois conceitos, percebe-se que a educação tem algo de fundamental para o desenvolvimento e formação da pessoa, tanto no âmbito familiar quanto no âmbito escolar e deve respeitar o grau de maturidade, pois cada faixa etária possui as suas especificidades.Para Piaget (1969), a adolescência é a fase das operações intelectuais abstratas, o início do pensamento formal, baseado na linearidade do desenvolvimento das estruturas mentais. Wigotsky (1991) trata a mesma faixa etária como etapa dos conceitos em que a criança já tem a capacidade para fazer generalizações, abstrações, lógica, análise e síntese, baseado-se nas interações sociais. Wallon (1995) por não dissociar o biológico do social nem do psíquico, renova profundamente as teorias científicas incluindo a emoção. Na perspectiva walloniana, o desenvolvimento infantil assinala oscilação entre pólos opostos pautado pelo conflito: ora mais voltado para a realidade exterior, objetividade, racionalidade, ora mais voltado para a realidade interior, subjetividade, emoção. Na adolescência, entretanto, o educando coloca exigências racionais às relações afetivas, favorecendo um conflito de proporções muito maiores.
Todas essas teorias contribuem para compreendermos a construção da identidade adolescente que começa no nascimento (e para alguns autores, desde a vida intra-uterina) e aflora na adolescência com a explosão dos hormônios (bio), pensamento formal (psíquico) e ampliação das relações sociais e afetivas (social).
Sendo a adolescência um processo caracterizado por uma revolução bio-psíquico-social, marcada por fortes emoções e intensas transformações, principalmente, na área da sexualidade; cabe à escola e à família (de acordo com a Constituição Federal e LDB) assumirem a tarefa de educar, também, no que diz respeito à sexualidade. E para isso, precisam compreender a construção da identidade como um processo que ocorre em cada um de nós, e se capacitarem para assumir essa responsabilidade com conhecimento e eficiência.
É importante esclarecer que a sexualidade não se reduz aos órgãos genitais, nem tampouco pode ser confundida com o ato sexual. A sexualidade se constitui numa elaboração histórica e cultural que se explica e se compreende no contexto e nas relações nas quais se produzem. É, portanto, uma construção única e exclusivamente humana. “Só o ser humano é capaz de dar sentido, dar significado, atribuir valores, regulamentos e normatizar os relacionamentos afetivos, amorosos e sexuais. Cada povo, em cada tempo e lugar, cria, recria, busca formas para viver e expressar a sexualidade” (Proposta Curricular de Santa Catarina, 1998).
Se é uma construção histórica e cultural, tanto a família, quanto a escola fazem parte desta construção e podem intervir imprimindo uma direção por meio da educação. Sendo assim, não pode ser tratada apenas de modo pontual, mas fazer parte do projeto pedagógico da escola e do projeto pedagógico da família em todas as idades.
Porém, por ser um assunto que envolve a subjetividade do educando e também do educador, apresenta dificuldades e discrepâncias no trabalho pedagógico, como assinala o caderno pedagógico:
Nesse sentido, destacamos a dificuldade dos adultos, presentes no cotidiano dos adolescentes, de lidarem com a possibilidade destes vivenciarem o sexo e de falarem abertamente sobre suas dúvidas. […] há a necessidade da superação dessas dificuldades, pois é de suma importância um diálogo sempre aberto sobre as possíveis dúvidas e receios dos adolescentes. (EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE: Conversando sobre sexualidade adolescente, 2004, p. 41)
Para ilustrar o que foi apresentado até aqui, será relatada, a seguir, uma experiência pedagógica envolvendo o tema sexualidade.
Uma intervenção Pedagógica pontual
A atividade consistia num trabalho de interação comunitária realizado pelos acadêmicos de Medicina num bairro próximo à Universidade. Com base nos dados colhidos na comunidade, uma equipe resolveu fazer um trabalho educacional sobre sexualidade com alunos de 5ª. Série de uma escola pública.
Utilizaram a metodologia da caixa de perguntas sobre o tema, para depois responderem de acordo com os questionamentos. Segundo o relato de uma das acadêmicas, a direção aproveitou a ausência de uma professora para introduzir as acadêmicas na sala de aula e não participou do processo. Uma das caixas se perdeu durante a semana. Em outra, havia perguntas e declarações obscenas, mas o que mais chamou a atenção foi o conteúdo das perguntas relacionado à faixa etária de 10 e 11 anos, como por exemplo: “ posições”, “gozo”, “sexo oral”. Nessa escola, segundo a diretora, há um reincidente número de meninas grávidas na 8ª. Série.
Os acadêmicos prepararam a aula em forma de conversa apresentando a anatomia do corpo feminino e masculino e o que ocorre na puberdade. Esclareceram sobre menstruação, masturbação, ejaculação e AIDS gravidez.
Uma intervenção pedagógica contínua
Uma pesquisa realizada em Porto Alegre aponta uma redução de 45,2 % nos casos de gravidez precoce nas escolas estaduais. Com dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Educação, a redução dos casos coincide com a implementação do projeto Saúde Escolar há dois anos. Segundo a coordenadora do projeto, as 255 escolas estaduais realizam um trabalho constante de orientação dos estudantes sobre a maternidade e a paternidade responsável. A ação envolve professores, pais e alunos através de oficinas, reuniões e outras atividades sobre o tema. Em sala de aula, a sexualidade é tema de várias disciplinas. Nas atividades, os adolescentes são estimulados a refletir sobre a sexualidade através de apresentações realistas do futuro de quem é pai ou mãe muito cedo.
Considerações finais
Entendendo o ser humano como ser inacabado, pode-se afirmar que a educação fornece-lhe material para construir a identidade, a autonomia e a emancipação.
A educação é uma obrigação do Estado e da Família e inclui a sexualidade, pois o instinto precisa ser vencido pela racionalidade.
A sexualidade é ensinada por todos, independentemente de teorias ou discursos sobre o tema. O exemplo de Porto Alegre confirma a eficácia do projeto coletivo e contínuo. Uma intervenção pontual como das acadêmicas de Medicina resolve curiosidades do momento, mas não forma opinião nem promove valores de autoestima, elementos decisivos para as decisões de ordem sexual.
No contexto educacional, a sexualidade adolescente precisa ser compreendida por pais e educadores para que se julgue menos e se eduque mais.
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Educação e Sexualidade: conversando sobre a sexualidade adolescente. Dilma L. Freitas [et al.], 2ª. ED. Florianópolis: UDESC/CEAD, 2004 .
Escola de Pais do Brasil. Educar, um Desafio. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. (2001).
PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. São Paulo: Forense, 1969
Santa Catarina, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas Curriculares. Florianópolis: COGEN 1998.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
WALLON, H. A Evolução Psicológica da Criança. Lisboa: Edições 70, 1995.
[1] Lei de Diretrizes e Bases para a Educação no Brasil
[2] Parâmetros Curriculares Nacionais
[3] Escola de Pais do Brasil – ONG que tem por missão ajudar pais e agentes cuidadores na tarefa de educar os filhos.
Teresinha Bunn Besen – Mestre em Educação, associada da Escola de Pais – Seccional de Biguaçu – SC
Trabalho com crianças, adolescentes,adultos e casais.
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M.Aparecida N.
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