Muitos pais partilham preocupações relacionadas com este tema e sentem necessidade de esclarecer algumas dúvidas. Tal como há um caminho a percorrer pelo seu/sua filho/a, também há um a ser percorrido por si.
São comuns questões como: “O que devo fazer?”, “Devo aceitar?”, “Será só uma fase?”, “Será tudo influência de alguém ou da visibilidade dada à comunidade LGBTQI+? (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Queer, Intersexuais)?”. Assim, voltamos a abordar esta temática, devido à atual pertinência da mesma.
Comecemos por perceber o que é a sexualidade e, em específico, a orientação sexual!
A sexualidade é um aspeto central da nossa identidade. No entanto, é um termo bastante abrangente e difícil de definir, pois remete para vários aspetos, tais como, as nossas crenças, valores, desejos, atitudes, comportamentos, prazer, relações, sexo biológico, identidade de género e orientação sexual.
Quando é que a sexualidade se “desperta” em nós? Apenas na adolescência?
Tendo em conta a globalidade de aspetos abrangidos pela sexualidade, podemos perceber que esta começa muito antes da adolescência. Começa bem antes… Quando nascemos? Antes do nascimento inclusive, tal como as idealizações dos nossos progenitores quanto ao que seremos.
Notemos a diferença de como falamos para a barriga de uma grávida quando sabemos que vai ter um menino, em que engrossamos a voz, ou quando é uma menina, em que colocamos o nosso mais doce e delicado tom. Do mesmo modo, antes do nosso nascimento os pais já sonham com “a menina ou menino dos seus olhos”, a relação que vão ter com estes, a roupa que lhe vão vestir, ou até a profissão que um dia vão ter e o dia em que vão apresentar a/o namorada/o. Pois bem! Esta antecipação é natural. No entanto, a verdade é que, apesar da sexualidade ser um mundo tão íntimo de cada um, os pais já sonham em parte (antes do/a filho/a nascer) como esse mundo será. Criam-se expectativas quanto ao sexo biológico, à expressão e identidade de género e à orientação sexual.
O que é então a orientação sexual?
A orientação sexual constitui parte da identidade sexual de cada pessoa e diz respeito à atração e desejo emocional, romântico e sexual experienciados. Deste modo, ser heterossexual implica experienciar esta atração por pessoas do sexo oposto ao seu. Assim, a homossexualidade não é mais do que o mesmo conceito, mas aplicando-se a pessoas com o sexo igual ao próprio, e a bissexualidade remetendo para ambos os sexos, não sentido o género como um fator importante nas suas atrações. A globalidade da pessoa como indivíduo e a globalidade da sua sexualidade não são dependentes da orientação sexual. Concluindo, o/a seu/sua filho/a é a mesma pessoa que era antes de lhe ter contado a sua orientação sexual.
Não podemos dizer que a sexualidade não é algo importante na vida de uma pessoa. Não devemos desvalorizar, é verdade! Mas de onde vêm os riscos, afinal? Será que é da orientação sexual em si?
A Associação Americana de Psiquiatria afirma que, cerca de 20.1% de jovens LGBTQ reportaram tentativas de suicídio em 2017. Assim, mais de quatro em dez adolescentes LGBTQ consideraram, seriamente, cometer suicídio no mesmo ano. Cerca de 46% demonstraram querer apoio psicológico profissional não tendo acesso ao mesmo.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses demonstra dados semelhantes, afirmando que os jovens homossexuais ou bissexuais têm probabilidade três vezes maior de cometer suicídio.
É possível refletir sobre a importância da Família quanto a estes riscos quando observamos os resultados de um estudo realizado em 2009. O estudo demonstrou o impacto que a rejeição familiar pode ter nestes jovens. Assim, estes têm probabilidade 8.4 vezes superior a executar tentativas de suicídio, 5.9 vezes superior a ter altos níveis de depressão, 3.4 vezes superior de consumo de substâncias ilegais e 3.4 vezes risco de contrair HIV ou outras doenças sexualmente transmissíveis.
Será que vão sofrer bullying na escola?
Infelizmente existe uma probabilidade acrescida para as crianças e adolescentes LGBTQ de serem vítimas de bullying. Segundo o inquérito de 2021 da IGLYO (Organização Internacional de Jovens e Estudantes LGBTQ), 54% destes jovens sofreram bullying na escola, pelo menos uma vez, devido à sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género ou diferenças de características sexuais. Ainda, vários estudos apontam para o sentimento de insegurança vivido por estes jovens nas escolas. Por exemplo, a UNHR (Nações Unidas para os Direitos Humanos), afirma que 70% destes jovens não se sentem seguros na escola nos Estados Unidos. No entanto, a família e a escola podem ter papéis cruciais de acompanhamento, suporte e proteção para a criança, através da sensibilização e educação dos alunos para o respeito pelo outro, igualdade e a luta contra a homofobia. Ressalvo que, uma sociedade inclusiva e protetora será aquela que é sensibilizada desde a infância. Portanto, a educação para a cidadania (alvo de tantas críticas), sim, será sempre essencial desde o jardim de infância.
Mas afinal porque são assim? É uma escolha? Será uma fase?
Efetivamente não existe uma resposta para a questão “Porque razão se é homossexual/bissexual?”. Existem diversos fatores que podem influenciar aspetos da nossa sexualidade. No entanto, não existe literatura científica que nos aponte para uma relação de causalidade ou para um fator genético ou biológico relevante para a nossa orientação sexual.
Será importante mencionar que a orientação sexual não é algo passível de ser influenciado pela família ou por outra pessoa. Prova disso é que a maioria das pessoas homossexuais ou bissexuais nasceram e cresceram em casas de “famílias heterossexuais” e numa sociedade em que a heterossexualidade é dominante e as restantes orientações sexuais continuam a ser discriminadas. Apesar de estas questões talvez serem suficientes para demonstrar que a orientação sexual não será uma escolha, também o leitor pode refletir sobre a sua, “A minha orientação sexual foi uma escolha? Poderia optar por outra se assim o quisesse?”.
Quanto à questão “Será uma fase?”, podemos concluir que a sexualidade é algo que nunca paramos de descobrir e redescobrir. Algumas pessoas percebem qual é a sua orientação sexual antes da adolescência e outros, também, após a adolescência. Como tal, um adolescente pode ter dúvidas sobre a sua orientação sexual, podendo transitar quanto à orientação que afirma ter. O que não torna menos válida a identidade que, no momento, declara. A verdade é que esta componente da nossa identidade pode ser complexa de compreender e, por vezes, dolorosa de aceitar. Assim, as pessoas significativas do/a jovem, ao apoiar e respeitar o seu processo de descoberta, podem diminuir os receios e preocupações do mesmo.
O que posso fazer?
No fundo, a única atitude que devemos tomar, como espectadores do desenvolvimento dos nossos filhos, é aceitar o que eles nos afirmam ser, com compreensão, carinho e amor. Se eles tiverem dúvidas, devemos reconfortá-los, afirmar que é algo natural, que podem inclusive ir se redescobrindo, pois irão sempre ser respeitados, ter a presença e todo o apoio dos pais.
Se descobriu que o seu filho/a é homossexual ou bissexual sem que ele/ela lhe tenha contado, também deve ser respeitado o tempo que o/a jovem necessita para expor essa parte da sua identidade, pelo que pressionar para o “coming out” (o chamado “sair do armário”) pode ser contraprudecente. O facto de ainda não ter contado não é um sinal de que está a fazer algo de “errado” como pai ou mãe, simplesmente, cada pessoa precisa de se preparar para assumir algo que lhe é íntimo. Mas podemos com isto refletir a importância de abordar, desde a infância, as diferenças que existem entre todas as pessoas e a importância do respeito pelas mesmas.
Então, apesar da discriminação que estes jovens podem sentir, dos insultos que podem ouvir, do bullying que podem experienciar nas escolas, do isolamento a que podem estar sujeitos, podemos perceber a importância da família… Como porto de abrigo e aleada, para melhorar o que de menos bom pode acontecer nos outros contextos de vida!
Se passou por esta situação com o/a seu/sua filho/a e não agiu da melhor forma, lembre-se que a parentalidade é imperfeita. Pode sempre tentar recomeçar e, caso tenham existido danos na relação, pode reconstruir os laços.
A família pode ser um fator de risco ou um fator protetor para a criança/jovem. Assim, apesar das tradições enraizadas, de receios e de outras questões que possam deixar alguma reticência quanto à aceitação da “diferença”, tudo é ultrapassável quando a Família deseja priorizar o bem-estar e a saúde mental dos seus filhos.
Mariana Reis Sarmento, Licenciada e Mestre em Psicologia Clínica. Faz Consulta da Sexualidade & Consulta dos Comportamentos da Oposição e Desafio na PIN – Em todas as fases da vida.
publicado no site https://lifestyle.sapo.pt/
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