A neurobiologia do apego humano é um campo de estudo da neurociência que busca compreender como o vínculo emocional entre os indivíduos é estabelecido e mantido. O apego é uma necessidade básica do ser humano, uma vez que a sensação de conexão emocional com os outros é fundamental para a sobrevivência e o desenvolvimento saudável.
Os vínculos humanos experimentados ao longo da vida são transformadores. Assim, têm o potencial de reparar relações negativas nos estágios iniciais da vida por meio de relações saudáveis posteriores.
Portanto, desenvolvimento, manutenção e ruptura de vínculos são os temas mais cruciais da natureza humana e é a partir dessas experiências que podemos vivenciar os sentimentos mais profundos em nossa existência. É por esse motivo que seguimos historicamente instigados pela compreensão de como tais experiências vividas ao longo da vida podem moldar ou afetar nosso presente e futuro. Segundo a Teoria do Apego, desenvolvida pelo psiquiatra inglês John Bowlby entre as décadas de 1940 e 1990, nossos valores e objetivos, bem como nossas memórias, crenças, escolhas e estratégias de adaptação aos eventos da vida são influenciados por aquilo que aprendemos e internalizamos em algum ponto de nossa infância, em especial, nas primeiras relações com nossos cuidadores principais. Do berço ao túmulo, experimentamos, aprendemos e reproduzimos expectativas futuras baseadas em diferentes níveis numa experiência real internalizada. Nesse senso de familiaridade adquirido habita o nosso senso de segurança mais genuíno que nos permite lidar com a vida em sua amplitude.
Com o desenvolvimento das pesquisas em neurociência, cada vez mais, discute-se a importância das relações. O humano é um ser social, que nasce dependente e conquista autonomia ao longo do desenvolvimento, sempre em busca de sua sobrevivência. Seu cérebro é moldado a partir das interações com outros, em que se sucedem conexões e redes com o intuito de processar informações. Entretanto, esses estudos apenas estão confirmando aquilo que já vem sendo debatido: a necessidade não só de se olhar as relações, como também a forma como são construídas desde a infância.
O que parece definitivo é que, ao longo da vida, os diferentes apegos humanos compartilham a neurobiologia na qual se baseiam. Em geral, caracterizam-se pela sincronia do comportamento e pela integração das redes corticais e subcorticais envolvidas nos mecanismos de recompensa e motivação, simulação incorporada e mentalização.
A neurobiologia comum do apego humano
Segundo Ruth Feldman, pesquisadora no campo da neurobiologia do apego humano, o estudo do apego dos mamíferos deve ser feito a partir de uma perspectiva de desenvolvimento. Isso porque o córtex cerebral associativo está conectado, em grande parte, por experiências iniciais em contextos de criação de filhos.
Os apegos criados posteriormente, tanto com parceiros amorosos quanto com amigos íntimos ou membros de um grupo, reutilizam o mecanismo básico estabelecido pelo vínculo inicial mãe-filho durante “períodos sensíveis”.
Esses “períodos sensíveis” são definidos como momentos iniciais e específicos na vida, quando o cérebro deve obter determinadas contribuições ambientais para um amadurecimento adequado. No contexto do apego, os períodos sensíveis, como resultado, envolvem os comportamentos típicos de criação da espécie.
Proposições do modelo de neurobiologia do apego humano
Utilizando resultados da pesquisa da Dra. Feldman que reúne algumas proposições do modelo de neurobiologia do apego humano, são as seguintes:
A pesquisa sobre os apegos humanos implica uma perspectiva de desenvolvimento. Assim, o vínculo entre os mamíferos estaria respaldado por sistemas neurobiológicos. Estes são formados pela relação da mãe com o filho durante os primeiros períodos sensíveis.
A continuidade nos sistemas neurobiológicos sustenta as relações humanas. Assim, os apegos humanos reutilizam o mecanismo básico estabelecido pelo vínculo pai-filho na formação de outros apegos ao longo da vida. Por exemplo, o apego romântico ou as amizades íntimas.
As relações humanas são seletivas e duradouras. Os vínculos, portanto, têm como objetivo o apego e duram inclusive toda a vida.
A relação baseia-se no comportamento desencadeado pela expressão de padrões de comportamento específicos da espécie, a influência do meio ambiente, específicos da pessoa e da cultura. Aqui convém lembrar que todo vínculo está inserido num contexto que o influencia e, por isso, o olhar do profissional de saúde mental deve sempre abarcar o contexto sociocultural no qual ele observa o indivíduo e as suas relações, assim como o tipo de educação que a criança recebe. A relação envolve processos ascendentes. As áreas do cérebro relacionadas à união e aos sistemas neuroendócrinos são ativadas pelo comportamento relacionado ao apego.
A sincronia do comportamento biológico é uma característica fundamental dos apegos humanos. Assim, os apegos humanos são caracterizados pela combinação do comportamento não verbal com a resposta fisiológica coordenada entre os envolvidos no contato social.
O papel central do sistema de ocitocina e da ligação dopamina-ocitocina está envolvido na maternidade humana. Também na paternidade, na coparentalidade, no apego romântico e na amizade íntima. Assim, a integração de ocitocina e de dopamina no corpo estriado promove a união. Além disso, envolve os apegos com motivação e vigor.
Aprofundando nas propostas…
A formação de vínculos implica uma maior atividade e uma interferência mais estrita entre os sistemas relevantes. A ativação e os vínculos mais estreitos entre os sistemas que respaldam a afiliação, a recompensa e o gerenciamento do estresse são observados durante os períodos de formação de apego.
Os apegos humanos promovem a homeostase, a saúde e o bem-estar ao longo da vida. Assim, os apegos sociais melhoram a saúde e a felicidade, enquanto o isolamento social aumenta o estresse e o risco de morte, e deteriora a saúde.
Os padrões de apego são transferidos de uma geração para outra. Os padrões de comportamento experimentados no início da vida organizam a disponibilidade de ocitocina e a localização do receptor no cérebro do bebê. Assim, configuram a capacidade para criar a próxima geração.
O cérebro humano é um órgão formado pelo apego mãe-filho e pela proximidade do corpo da mãe para funcionar dentro da ecologia social. O cérebro imaturo da criança ao nascer apresenta a necessidade de estar próximo de uma mãe que amamenta o cérebro como um “órgão localizado”. Além disso, responde constantemente alinhado ao mundo social.
Nos primeiros anos de vida, por exemplo, o cérebro é extremamente sensível à formação de um apego saudável entre o bebê e seu cuidador, o que requer um adulto atento, cuidadoso, que esteja interessado genuinamente nas necessidades da criança.
“Ser profundamente amado por alguém lhe dá força, enquanto amar alguém profundamente lhe dá coragem.” –Lao Tzu–
Podemos dizer que, durante os períodos sensíveis, quando ocorre a plasticidade cerebral máxima, com o pico de novas sinapses em determinadas regiões do cérebro, as experiências podem “cortar dois caminhos”. Ou seja, as experiências positivas provavelmente irão direcionar o desenvolvimento ao longo de uma trajetória com resultados positivos, enquanto as experiências negativas podem levar a prejuízos durante a trajetória do neurodesenvolvimento. Por esse motivo, intervenções com o objetivo de corrigir possíveis atrasos ou desvios provavelmente terão maior sucesso se forem implementadas precocemente, quando muitas regiões do cérebro e seus circuitos neuronais estão no auge de sua capacidade de plasticidade.
Apesar de uma grande parte da arquitetura do cérebro ser moldada durante os três primeiros anos após o nascimento, as janelas ótimas de desenvolvimento não se fecham nesse período. Em que pese o princípio básico de que “mais cedo é melhor do que mais tarde”, elas permanecem abertas, muito além dos 3 anos de idade, para a maioria dos domínios de desenvolvimento. Ou seja, as crianças continuam capazes de aprender maneiras de “contornar” os impactos anteriores, bem como os adultos, porém a capacidade de mudança do cérebro diminui com a idade. É que, na proporção em que o cérebro vai amadurecendo, ele perde boa parte de sua plasticidade, a capacidade de ser moldado com a mesma facilidade da infância.
“se queremos ajudar a mudar o padrão de apego de alguém, teremos que nos armar com paciência. Se quisermos mudar nossa vontade, além de dedicar tempo e recursos, temos que adquirir ferramentas que nos ajudem”
Os vínculos humanos experimentados ao longo da vida são transformadores. Como resultado, têm o potencial de reparar relações negativas nos estágios iniciais da vida através de relações benévolas posteriores. Assim, a grande plasticidade do cérebro social humano e sua natureza baseada no comportamento permitem que os vínculos posteriores reorganizem as redes neurais e reparem, pelo menos em parte, as experiências negativas nos estágios iniciais da vida.
A pesquisa em neurociência tem demonstrado que o apego humano está relacionado com a atividade cerebral e com a liberação de neurotransmissores, tais como a dopamina, a ocitocina e a serotonina. A dopamina é um neurotransmissor que está envolvido no processo de recompensa e de prazer, sendo liberado quando o indivíduo experimenta sensações de bem-estar e felicidade durante a interação com pessoas queridas.
Já a ocitocina é um hormônio que está associado com a sensação de amor, confiança e conexão social. Estudos têm demonstrado que a liberação de ocitocina é mais intensa em indivíduos que possuem vínculos afetivos fortes, tais como casais que estão em relacionamentos estáveis ou pais que cuidam de seus filhos.
Por fim, a serotonina é um neurotransmissor que está envolvido no controle do humor e das emoções. Pesquisas têm indicado que a falta de serotonina pode estar relacionada com transtornos psicológicos, como a depressão e a ansiedade.
Para concluir
A neurobiologia do apego humano é baseada, portanto, nas interações da ocitocina e da dopamina no cérebro. Além disso, estes sistemas cerebrais são formados durante o apego na infância. Assim, é interessante saber que esses sistemas são reciclados para a criação dos vínculos seguintes da vida, como a amizade ou o amor.
Em resumo, a neurobiologia do apego humano nos ajuda a compreender como as relações sociais e afetivas são importantes para a saúde mental e emocional dos indivíduos. Estudos em neurociência têm mostrado que a atividade cerebral e a liberação de neurotransmissores estão diretamente relacionadas com a formação e manutenção do vínculo emocional entre as pessoas.
“A importância do apego começa na infância, mas em cada relação que estabelecemos com os outros existe uma oportunidade de atualizar nossa forma de nos apegarmos.”
Ms. Antonio Sérgio Araujo – Psicólogo Clínico e organizacional com especialização em Psicodrama e Psicoterapia EMDR. Mestre em Teologia e pastor; Engenheiro Elétrico. Membro do Conselho de Educadores da Escola de Pais do Brasil.
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