A LINGUAGEM DA PAZ

A paz que todos sonhamos, seja na família, na escola, na comunidade, no país ou entre países é fruto da justiça e pode ser construída/destruída pela linguagem (mais especificamente pelo discurso) na comunicação. Se as guerras se criam pela linguagem da violência; a paz também se cria pela linguagem da harmonia, da compreensão e do amor. Basta observarmos o processo educativo desde a mais tenra idade, até os relacionamentos maduros – tudo passa pela via da linguagem. Uma grande amizade/amor ou uma grande inimizade/rancor, muitas vezes, começa por uma palavra. Até entre as nações, o discurso impensado de um presidente pode provocar conflito, se não houver retratação imediata. Quantas vezes já vimos o Papa ter de reinterpretar suas palavras para restabelecer a paz com alguns povos? Nesse ponto, ressaltamos a importância da autoria do discurso, pois a autoria está ligada à autoridade. Uma frase dita por nós em relação aos EUA não causa nenhum impacto sobre aquela nação, porém se for dita pela presidenta Dilma pode provocar até a queda na bolsa de valores. Na família, o que é dito pelos pais tem peso bem maior do que o dito pelos outros. Interfere na construção psicológica do filho, na formação do caráter e por fim, no comportamento.   Mas antes de nos embrenharmos nessa discussão, precisamos esclarecer o conceito de “Linguagem”. Diferenciá-lo de língua e de fala, para depois refletir sobre o poder criador da linguagem na educação dos nossos filhos.  

Linguagem, “é todo sistema organizado de sinais que serve como meio de comunicação entre os indivíduos” (FARACO; MOURA,). Isso significa que temos vários recursos de expressão que comunicam e educam, como por exemplo as palavras, os gestos, a fisionomia, os sinais visuais, sonoros, os símbolos, as imagens etc.

Quando usamos apenas palavras, faladas ou escritas, denominamos de linguagem verbal. Quando usamos os outros recursos denominamos de linguagem não-verbal. As novas tecnologias de informação multiplicam-se a cada dia e combinam os vários recursos de expressão como som, imagem, movimento, cor, expressão, misturando linguagem verbal e não-verbal num só texto com a possibilidade de participação ativa do interlocutor, como é o caso dos computadores e outros. Tudo isso potencializa ainda mais comunicação.

Pensar que educamos nossos filhos apenas “falando” é um equívoco. Pensar que a linguagem é “neutra” é ingenuidade, porque a nossa palavra sempre vem carregada da emoção e dos valores que defendemos por meio da entonação, da expressão fisionômica e da escolha do vocabulário. Veja o que diz Polito (1995) sobre a comunicação:

A carga emocional e os valores mais profundos perpassam os discursos diários quando educamos, por isso, muitas vezes nossos filhos compreendem coisas que não dissemos.

Pensar, também, que os pais e as escolas são os únicos responsáveis pela educação dos filhos é outro equívoco, pois as linguagens não-verbal e verbal, associadas, tornam-se ainda mais eficientes e bombardeiam o nosso ambiente através dos meios de comunicação. Além disso, o recurso da repetição torna o conteúdo familiar e assimilável.  Quantas vezes seu filho vê o mesmo out-door, ouve ou vê a mesma propaganda, num dia? Quantas vezes você dá a mesma orientação para o seu filho num dia? Só por aí, já concluímos que não somos os únicos a interferir no processo de educação das crianças, que a concorrência com a mídia e outras fontes é grande e nem sempre têm os mesmos princípios que defendemos.

A linguagem é, portanto, esse sistema maior que envolve todos os sinais que comunicam. A “Língua” é apenas a linguagem verbal utilizada por um grupo de indivíduos. É um fenômeno social que caracteriza a cultura de um povo. Por isso, temos a Língua Portuguesa, Inglesa, Alemã etc. Os filhos aprendem a língua dos pais e, com as palavras, aprendem também os princípios e valores. Se você não quer que seu filho use “palavrões”, dê o exemplo.

 Outro conceito necessário aqui é o de “Fala”. Veja os trechos abaixo:

 

Antes de mais nada, é preciso lembrar que o sono faz parte do ciclo de 24 horas do ser humano.

Ao dormir, uma pessoa está armazenando e recuperando energia para o resto do tempo do ciclo vital. (Veja)

 

Hino do sono

Sem a pequena morte

De toda noite

Como sobreviver à vida

De cada dia?  (José Paulo Paes)

O assunto dos dois textos é o mesmo: a necessidade do sono. Os dois escritores utilizaram a mesma língua: portuguesa. Mas as semelhanças terminam aí, cada escritor empregou a língua à sua maneira. A essa utilização particular da língua dá-se o nome de “fala”. Isso não se refere apenas à língua oral, mas também à língua escrita. Está aí o ponto chave para a educação – “o uso individual da língua”. A maneira como você diz as coisas é tão importante quanto o que você diz.  A ordem dada de maneira gentil é mais aceita e obedecida pelos filhos. O autoritarismo revelado na fala provoca reações de contestação e rebeldia. A vida política está cheia desses exemplos. A fala, portanto, denuncia a alma do falante, inclusive quando a pessoa se fecha e não fala, o silêncio revela o seu estado interior.  Assim, o período de formação dos nossos filhos é conduzido pela forma como expressamos nossos pensamentos e sentimentos por meio da fala.

 Para Vygotsky (1991), a relação entre pensamento e linguagem tem raízes diferentes, mas por volta dos dois anos de idade, essas linhas se encontram: o pensamento torna-se verbal e a fala intelectual. A partir daí, a fala passa a colaborar e interferir na compreensão do mundo. Esse impulso é dado pela inserção da criança no meio cultural, ou seja, na interação com adultos mais capazes que já dispõem da linguagem estruturada. Os significados das palavras fornecem a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo, ou seja, como diz Vygotsky, é no significado da palavra que a fala e o pensamento se unem em pensamento verbal. Para ele, o pensamento e a linguagem iniciam-se pela fala social, passando pela fala egocêntrica, atingindo a fala interior que é o pensamento reflexivo.

 Nosso contato com o mundo, portanto, não é um contato direto. É um contato mediado pelas palavras (discursos). É assim que formamos os conceitos.  O que sabemos é o que os outros nos disseram pelos mais variados meios. A partir dessa reflexão, verificamos que as coisas não são o que são. As coisas são o que se diz sobre elas. E, em se tratando de linguagem, perdem os limites da realidade entrando na dimensão da imaginação. Veja, por exemplo, o que aconteceu com o poeta Olavo Bilac, quando um amigo lhe pediu que escrevesse um anúncio para vender um sítio.

Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo cortado por cristalinas e marejantes águas de um lindo ribeirão. A casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes na varanda.

Tempos depois quando se encontraram, o poeta perguntou: e aí? O sítio já foi vendido? Ao que o amigo respondeu: o quê? Depois que li aquele anúncio nunca mais tive coragem de vendê-lo. Não sabia que possuía tal maravilha. 

Com este exemplo, queremos mostrar o poder criador da linguagem, pois a palavra permite criar as realidades que quisermos, uma vez que não está submetida aos limites da ordem natural das coisas. Queremos mostrar com isso, a importância da construção da paz pela linguagem. Um evento cruel narrado com palavras amenas, carinhosas, com ponto de vista de ambas as partes, cria um ambiente propício para reflexão, justiça e paz. Entra aqui o cuidado que o educador precisa ter  com a formação dos conceitos e juízos de valor  sobre outras pessoas.  Se a palavra faz a mediação entre o indivíduo e o mundo, os educadores (professores, pais, mães…), com a autoridade que lhes é peculiar, podem criar um mundo de paz. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem aprender a amar, segundo Nelson Mandela.

 Nossos filhos começam a enxergar o mundo pela lente dos nossos olhos por meio da nossa linguagem. Assim, enquanto não desenvolvem o senso crítico, formam a opinião sobre o pai pelo que a mãe lhes diz sobre ele.  Formam opinião sobre a mãe pelo que o pai lhes diz sobre ela. Sobre os avós, tios, professores, parentes, amigos acontece a mesma coisa. O tratamento e a consideração que temos pelos outros é a referência que damos aos nossos filhos. Podemos espalhar ódio ou semear a paz entre a família, tudo depende do uso que fazemos da linguagem.

 A paz tão almejada pelas nações começa dentro da nossa casa. Cada um exercendo o seu papel, consciente de que “a educação, em essência, é precisamente isso: o exercício do Verbo” (ALVES, 2010). Só assim poderemos vislumbrar a dimensão humanizadora da educação na construção da Cultura de Paz.

 Referências

FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto de. Língua e literatura: segundo grau. 14. ed. São Paulo: Ática, 1992.

VYGOTSKII, L. S. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. 21. ed. São Paulo: Loyola, 2010.

POLITO, Reinaldo. Como se tornar um bom orador e se relacionar bem com a imprensa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

Este artigo foi publicado na Revista nº 3, p. 24, da Escola de Pais – Biguaçu – junho de 2011.

 Teresinha Bunn Besen – Professora de Língua Portuguesa, Mestre em Educação, Membro da Escola de Pais – Biguaçu, Coordenadora Regional da Escola de Pais para a região Litoral de SC.

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