A FAMÍLIA ENQUANTO LABORATÓRIO DE RELAÇÕES HUMANAS

O que é uma família atual, uma família moderna, uma família do momento?
Responder a esta questão implica em conceituar inicialmente que a família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais bem definidas: um estado de aliança estabelecido entre o casal; uma relação de filiação, definido entre pais e filhos, e um condicionante genético que é a consanguinidade, estabelecendo um vínculo entre irmãos. A partir desta realidade de fato se estabelece um processo que, numa visão antropológica, também é genética, na busca constante em preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais. Porém, neste particular – o da identidade pessoal – se desenvolveram através dos tempos, no interior da família, funções diversificadas de transmissão de valores éticos, religiosos e culturais, não importando aí se o modelo da família é nuclear – constituída por pai, mãe e filhos – extensa – composta por membros que tenham quaisquer laços de parentesco e, ainda, a abrangente – que inclui os não parentes que coabitem uma mesma casa – tendo sido este terceiro formato de família muito bem descrito por Garbar e Theodore (2000, p.21) ao definirem as novas constituições familiares como sendo um mosaico, onde “as novas famílias são constituídas por pais, padrastos, filhos, enteados.” Independente do formato que se dê a este grupo social chamado família, nele mantém-se uma tendência de repassar valores éticos, religiosos e culturais.
Mas é diante das experiências de impacto a estes valores, provocados pela sociedade moderna, que passamos a entender que as críticas à família, promulgando sua falência e morte, não passam de um equívoco da mídia ou de alguns autores mais sensacionalistas. A natureza estrutural da família, em seu ciclo evolutivo, demonstra que ela continuará sendo um laboratório de relações humanas, onde se testam e aprimoram modelos de convivência que ensejem o melhor aproveitamento dos potenciais humanos para a criação de uma sociedade mais harmônica e promotora de bem estar coletivo. Nenhum pai e mãe forma um(a) filho(a) para a marginalidade, para a prostituição, para os descaminhos, que são muitas vezes argumentos utilizados pelos menos informados, ao afirmar que a família está em decadência.
Haim Grünspun(1992) em um excelente ensaio reflexivo sobre “Lar – fundamento para relações construtivas” reforça ainda mais esta tese de que a família é fonte de felicidade para o ser humano e de que em toda sistemática da organização social, transformamos a casa em moradia, a moradia em habitação e domicílio – endereço para receber correspondência, mas nem sempre transformamos a casa em lar. A transformação da moradia em lar se dá somente pela família. Se os valores éticos, morais e religiosos são constantemente reforçados pelos pais na ambiência familiar. Para Grünspun (1992), não é a casa que determina o lar. Lares bons podem estar em casas pequenas e simples e lares ruins em casas muito grandes e opulentas. Lar é o local onde o ser humano aprende algo fundamental para sua razão de sobrevivência – a felicidade. Diz Grünspun(1992, p.104) que “em maior ou menor quantidade, em melhor ou pior qualidade, a felicidade é um anseio biológico que está inscrito no ser humano” .
Estudos recentes dos distúrbios emocionais e mentais trazem evidência sobre depressão e lar. Falta de casa não causa depressão. Falta de lar é fator importante na depressão. E a depressão é um estado, uma demonstração de infelicidade.
Por isso, a família atual, moderna e do momento, não é aquela que perde de vista seus entes queridos, em razão da correria, do pouco tempo para si e para o outro, condicionados pela modernidade – como analisa Gidens (1991) em “As conseqüências da modernidade” onde os pais passam a atender todos os desejos dos filhos, principalmente adolescentes, num entendimento equivocado de que não se pode contrariá-los para não deprimi-los, de que para justificar muitas vezes sua omissão, os pais se tornam reféns em sua própria casa – não necessariamente um lar – e de seus próprios filhos. A perda da definição de limites passa a estrangular a noção de lar.
Ao falarmos sobre família numa dimensão atual, devemos sim, pensar nos desafios impostos pela modernidade, conscientes de que há necessidade de um processo contínuo de formação, alicerçado por valores éticos e morais em que a definição de limites é fundamental para a garantia da formação de autênticos cidadãos. E quando os pais imprimem no seu ritmo e estilo de educar a prevalência de tais valores, a ponto de deixar claro aos filhos que os mesmos possuem um papel social a ser cumprido no fortalecimento e desenvolvimento do ser humano, na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, demonstram que constituem uma família moderna e atual.

Referências

GIDENS, Anthony. As consequências da modernidade. [tradução de Raul Fiker]. São Paulo: EDUSP, 1991.

GARBAR, Claire & THEODORE, Francis. Família Mosaico – as novas constituições familiares. São Paulo: Augustus editora, 2000.

GRÜNSPUN, Haim. Lar: fundamentos para relações construtivas. In: Casa: Moradia ou Lar. XXVIII Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil. SãoPaulo, maio de 1992, p.100-117.

Publicado na Revista de set. 2010 da Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Joaçaba/Herval d’Oeste, Videira e Campos Novos, p. 14-15.

Cinthia Santini Alves de Oliveira e Célio Alves de Oliveira
Casal Presidente da Seccional de Joaçaba,/ Herval d´Oeste em SC

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