A FAMÍLIA CONFIA NOS VALORES QUE TRANSMITE?

Procuro embasar o que tenho a dizer nestas próximas linhas no que aprendi com nossos mestres nestes muitos anos de vivência na EPB, assim busquei na leitura dos diversos registros de anais de nossos congressos e artigos em revistas de nossas várias seccionais, a informação e fundamentação indispensáveis ao trato do tema. Também encontrei nas redes sociais algumas citações que são atribuídas a uma de nossas especialistas palestrantes dos últimos congressos, no caso Daniella Freixo de Faria, que diz: “(em Pais&Filhos) o maior problema das famílias de nossa época, é “a falta de confiança nos próprios valores. Estamos muito desconectados de nós mesmos.” Encontrei também a citação “Resgatar a ideia da família como um time…” e também: “Família é a alegria de crescermos juntos, mesmo que em momentos diferentes da vida. É amor, profundo amor e respeito pelo ser que se apresenta. É fazer parte desse time único, só seu, e que dia após dia vive grandes conquistas.”

Cada vez mais, a ética e a responsabilidade pessoal se tornam indispensáveis, visto que cada família tem que agir de acordo com o seu sistema de crenças e valores, firmando-se naquilo que acredita. Daí a questão: A FAMÍLIA confia nos seus valores? – Para responder a esta questão, em primeira análise penso que seria necessária uma pesquisa objetiva por dados estatísticos confiáveis e abrangentes em toda a extensão dos significados de “valor familiar”. Não disponho disto, assim esta apreciação se restringe a uma observação panorâmica.

A atualidade tão conturbada no mundo todo, verdadeira revolução cultural, com guerra na Europa do Leste, alastramento da injustiça e crise de valores (e crenças) nas Américas de norte a sul, muito em decorrência ainda da pandemia e suas sombras, não teria permitido uma pesquisa livre destas influências, mas chama atenção para a importância desta questão diante do problema que é mundial e requer união de esforços para o enfrentamento, e a FAMÍLIA é a base de tudo na sociedade, pode ser a última “cartada” para a humanidade…

Toda crise tem atrás de si uma oportunidade, e pode ser que estejamos enfrentando uma crise de valores que tem suscitado tantos debates e dissenções nas redes sociais. Mas isto pode ser a oportunidade de um “freio de arrumação” pois que requer forte interação na família, isto implica a crença na sinceridade e lealdade entre outras qualidades, também a confiança. Os laços familiares são para sempre, assim têm que ser baseados na confiança, no amor e apoio incondicional.

Na relação familiar a confiança dos filhos está diretamente relacionada à segurança. Quando confiam em seus pais, eles conseguem se abrir e compartilhar seus problemas e preocupações. Uma criança que esteja sofrendo bullying enfrenta traumas que afetam sua vida social e psicológica, se não confia nos pais, guarda pra si, e dói, o problema vivenciado.

Na adolescência e posteriormente, a unidade familiar se fortalece e sedimenta sobre os valores familiares que foram passados, o respeito, admiração, carinho e amor que fluem nos relacionamentos passam a ditar os passos que serão dados.

A internet trouxe muitos riscos, se os pais desconhecem o uso que os filhos fazem das redes sociais, estes podem se expor demais; a relação de confiança protege dos perigos. No caso dos jovens o “diálogo aberto” tem que ser construído na relação, para tanto é fundamental evitar as críticas desnecessárias e julgamentos injustos ou mal formulados, para facilitar a confiança de expor sentimentos e manter o ambiente harmonioso.

O fortalecimento da confiança (nos ensina a EPB há décadas) requer a abertura ao diálogo, porque é a melhor forma de conhecimento dos anseios, opiniões e prioridades do outro. Mas é indispensável a dignidade, confiabilidade, a presença diante das necessidades familiares.

Fundamental também é compartilhar as decisões se estas impactam outros membros da família, mesmo os filhos que já têm idade para entender. Tudo que está dito até aqui requer um tempo “de qualidade” com a família, sem a presença das telas e redes sociais principalmente às refeições, ou mesmo que seja apenas para um bate-papo. Esta confiança permite compartilhar sentimentos, ideias, planos, alegrias, tristezas, frustrações, tudo que possa encontrar um ombro amigo para se amparar ou um braço forte para ajudar. Requer coragem para reconhecer quando erra e pede desculpas pelas falhas, isto pode servir muito para aproximar uma família. Finalmente é fundamental plantar a semente da confiança entre as crianças desde a mais tenra idade. Tudo isso compõe os valores familiares pregados pela EPB. Confiar ou não é prerrogativa das pessoas, afinal “a vida é cheia de escolhas”.

É nosso dever diário desenvolver o nosso merecimento da confiança das pessoas…

Há que conquistar essa credibilidade através de atitudes do dia a dia mais do que por palavras. Com esta meta e esforço diuturno, você influenciará os demais a seguirem seu exemplo. Assim promessas têm que ser cumpridas, evite prometer quando sob fortes emoções, antes disso, reflita cada palavra. Não quebre a confiança das pessoas, guarde seus segredos confiados. Manter sempre o diálogo aberto, abra o jogo dos sentimentos feridos, antes de guardar mágoas. Mantenha-se fiel a si mesmo, sem fingimentos e medo de se abrir. Assuma sempre as responsabilidades por suas ações, não terceirize a culpa dos seus erros. Viva como humanos que somos todos, com amplas possibilidades de melhorar, ninguém é infalível pois que estamos todos em evolução. Aprenda a perdoar. Perdoe com a tranquilidade de saber que doerá menos que qualquer mágoa. Dedique o melhor do seu tempo para a família. Seja sempre honesto, principalmente consigo mesmo, mas use o bom senso, não precisa renunciar à cordialidade e doçura.

Sendo parte da cultura de um povo, a estrutura e funcionamento familiares se fundamentam em padrões de comportamento e modos de relacionamento, transmitidos de geração a geração, no modo de lidar com afetos e emoções, enfrentamento de conflitos, exercício de autoridade e estabelecimento de limites. Normalmente o que fomenta a insegurança entre os adultos quanto aos valores e crenças que receberam de família, são os questionamentos e mudanças observadas nas estruturas de autoridade parental, também os limites de aceitação de novos hábitos ou modas que chegam.

Como podemos dizer, valores não são criações individuais, mas pertencem às histórias das sociedades, eles estão sujeitos aos momentos históricos de um povo, desta forma não existem valores universais cristalizados, e são transmitidos na história dos indivíduos como um capital social que vem sendo formado e renovado pelas gerações.

MAS, E A FAMÍLIA, CONFIA NOS SEUS VALORES?

Ocorre que nos dias de hoje nos encontramos em uma vertiginosa profusão de propostas de mudanças, as tais “quebras de paradigmas”que já se estendem aos valores pré-existentes. Mas não temos novos valores relacionais, estáveis, bem aceitos, há muita confusão ainda quanto à possibilidade de aceitação pois que necessita-se de muito tempo para vivenciar, questionar para depois efetivamente se adotar novos valores. É um período de transição que vivemos, de extrema complexidade porque muitos são os fatores de ordem política, religiosa e social, perturbadores ou mantenedores do sistema de valores familiares.

Finalmente, trago uma citação atribuida a Morin E. (2005) em artigo da “Psicologia em Revista”– vol. 24 nº 2 Belo Horizonte – que afirma “o excesso de complexidade pode destruir os limites, tornando flexíveis os laços sociais e, em contrapartida, a própria complexidade pode diluir-se na desordem e no caos, afetando os sistemas de valores das pessoas. Desse modo, uma sociedade de alta complexidade deveria garantir sua coesão, não somente por leis justas e instituições sólidas, mas também pela responsabilidade, solidariedade, inteligência, iniciativa e consciência dos indivíduos.”

E concluo, então o relato de minha visão, de que a Família vive um dos maiores dramas da História, a crise de confiança em seus próprios valores (estes que vem sendo postos em discussão pelos mais bem intencionados, mas que vem sendo postos em cheque e expostos ao ridículo em verdadeiras campanhas de contracultura por minorias radicais e setores militantes de causas políticas que infiltram todas as instituições públicas, religiosas, sociais, midiáticas, muitas atendendo a interesses do “grande poder” internacional), e esta Família tem sido impotente para o enfrentamento tão desigual.

Mas como o Bem sempre vence o Mal, e a fé inabalável nisto é o motor das Famílias, temos como certo que a Família ainda confia em seus valores, e a luta continua com certeza de vitória. Ainda haverá algumas rusgas, mas nunca houve guerra vencida sem perdas, e o sol continua nascendo em todos os lares, diariamente temos assistido as famílias saírem às suas fainas com a mesma alegria de sempre, e com certeza e confiança de que o pôr do sol apenas significa que nova oportunidade de vê-lo renascer em novas esperanças no amanhã.

FAMÍLIA é a base de tudo na sociedade, pode ser a última “cartada” para a humanidade…

Clélio Souza – Associado da EPB desde 1989 – e junto com Graça, são atualmente o Casal Dirigente Regional da EPB / Bahia.

Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional Salvador número 42 – p. 7-8.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*