
Hoje em dia, o ato de cuidar parece ter um novo status: desloca-se do “ser presença”, para o “dar presentes”, supre-se a necessidade de afeto com bens materiais, sem respeitar a necessidade das crianças e dos jovens de estarem acolhidos, cuidados e amparados. Esta nova visão carrega uma inversão de valores que influencia a vida em sociedade e em família, principalmente no cuidado dos filhos. Assim, de pais presentes na vida dos filhos, no sentido físico, emocional e espiritual, temos hoje a visão dos genitores como provedores materiais. Delega-se a formação de princípios e valores aos professores, com a escola assumindo o dever de ensinar e educar. Aqui não nos deteremos nesta discussão, mas consideramos o educar como responsabilidade primeira dos pais, sendo a escola local de aprendizagem e de reforço dos valores vivenciados no ambiente doméstico.
A etimologia da palavra cuidar destaca sua origem no latim ‘cogitare’, cujo significado é “pensar, cogitar”. Desta forma, entende-se que cuidar de alguém envolve compreender a situação/contexto daquele que será cuidado e o planejamento para promover bem-estar, proteção e segurança de forma suficiente e adequada, de acordo com as necessidades reais de cada um. Cuidar é, assim, um ato amoroso, de proteção e orientação. Na família, o cuidar se assenta no provimento de condições materiais de bem-estar, mas não se esgota nesta dimensão. Cuidar em família significa dar limites claros, significa orientar sobre as consequências de nossos atos sobre nossa vida e sobre a vida de quem conosco convive, significa explicar os porquês das coisas, trabalhar a ética e a estética do bem viver. Significa estar presente e se fazer presença, nos momentos bons e ruins, ser apoio, dar carinho, mas também ser firme quando necessário, ou seja, exercitar autoridade, sem ser ríspido, sem exercer coação, sendo exemplo para modelar condutas. Sob defesa da premissa de que ser presença não significa estar apenas, e tão somente, fisicamente no mesmo ambiente, mas estar disponível ao outro, ouvir sem julgar, ajudar sem cobrar, apoiar pela simples razão de amar e desejar o bem daquele que por nós é cuidado.
Cuidar, então, revela-se como ato de prestar assistência, significa auxiliar no que for preciso em situações em que a pessoa não consegue ou tem dificuldades para satisfazer suas necessidades biológicas, psíquicas ou sociais. É, portanto, uma ação de orientação e apoio no processo de construção da autonomia daquele que é cuidado. Na família, é a atitude mais essencial a vida em sociedade, pois engloba as vivências individuais e grupais para, a partir delas, e com o auxílio de quem convive conosco e nos serve de referência e apoio, construir um repertório de estratégias que seja ético e moralmente assentado no respeito ao próximo.
Na vertente da filosofia do cuidado, a ação de cuidar representa uma atitude de preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro, é uma atitude de amor e de carinho para com quem nos é mais caro. Envolve se deixar afetar pelo outro e afetá-lo de forma a conquistar seu respeito e sua admiração para, juntos, construírem ações articuladas ao bem viver.
Mesmo diante de uma crise contemporânea onde o desrespeito e a individualidade quase eclipsam o cuidado consigo e com o outro, aqui defende-se a importância do redimensionamento do nosso olhar sobre o ambiente de vida cotidiana – casa, trabalho, escola, e sobre aqueles com quem convivemos, resgatando a ética do cuidar em sua essência, ou seja, como ato de amor para conosco e para com as pessoas que nos rodeiam, sob compreensão de que, ao cuidar e sermos cuidados, nossas relações tendem a se harmonizar e tecer, num processo contínuo e colaborativo, uma rede de apoio mútuo onde toda comunidade é beneficiada. Cuidar envolve zelo, atenção e responsabilidade para consigo e para com o outro. É um ato de afetividade, uma declaração de amor transformada em ato.
Assim, ao invés de nos fazermos presentes por meio de bens materiais, que possamos ser presença, exercitando a arte de cuidar por meio do exercício constante e reflexivo da atenção e responsabilidade que temos para conosco e para com aqueles que, no convívio diário, nos oferecem a oportunidade ímpar de nos tornarmos seres humanos melhores. Cuidar é um dom, dom de amor que reflete nossa capacidade de viver juntos e sermos apoio uns dos outros. Seja, então, um ser humano ativo no cuidado de si e do seu próximo e tenha a certeza de que, ao cuidar de alguém, aprenderemos não somente a exercitar o amor, mas seremos ativos no processo de nossa melhoria pessoal, profissional e relacional, num mundo hoje carente de cuidado e que urge pela paz e pelo exercício da empatia e solidariedade.
Ana Carolina Lopes Venâncio – Mestra e doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora e pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
E-mail: anavenancio2704@gmail.com
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