A construção da identidade é um dos fatores do desenvolvimento que está intimamente ligada à cultura e à sociedade na qual o indivíduo está inserido. É o que acontece na fase da adolescência, na maioria das sociedades atuais. Os adolescentes precisam, então, resolver essas crises para solidificarem aspectos da sua identidade pessoal e social.
Em paralelo aos aspectos sociais que se estruturam na adolescência estão as mudanças biológicas, que são extremamente importantes, principalmente em nível cerebral. Estudos da neurociência apontam para as mudanças que ocorrem nas estruturas cerebrais dos adolescentes e que influenciam em seus comportamentos. A maturação do cérebro, por exemplo, conforme Giberto Stam, “[…] não se dá de maneira homogênea, mas em ritmos diferentes em cada região. As novas tecnologias de imagem mostram que a última parte do cérebro a amadurecer – o córtex pré-frontal – é justamente a região onde se processam comportamentos tipicamente adultos, como capacidade de planejamento, concentração, inibição de impulsos e empatia”.
Outra mudança fundamental que ocorre no cérebro adolescente está no sistema de recompensa. Esse, de acordo com a neurocientista Suzana Herculano-Houzei, vem a ser o “[…] conjunto de estruturas no cérebro responsáveis por premiar com prazer ou bem-estar comportamentos que acabam de se mostrar úteis, ou interessantes”. Dessa forma, os adolescentes precisam de muito mais para sentir prazer, pois possuem um terço dos receptores para dopamina. Por isso, precisam de experiências mais intensas, que estimulam a liberação da substância para sentir prazer. Eis aqui uma questão crucial: se os adolescentes precisam de muito mais para sentir prazer, como ajudá-los a construir sua nova identidade de maneira segura em uma época onde os estímulos são constantes e onde “a identidade torna-se um jogo de livre escolha, uma apresentação teatral de si”, como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman?
Sabendo de toda essa complexidade bio-psico-social da vida adolescente, somam-se aspectos do que Bauman qualifica como a “ética pós-moderna”, que, sem dúvida, exacerbam comportamentos tipicamente adolescentes e potencializam a tendência ao desejo de satisfação constante e sem limites. Como descreveu, certa vez, Paul Valéry (apud Bauman 2011, pág. 106) nossa civilização é constituída como um “regime de excitações intensas”. Estar imerso em tal civilização, disse Valéry, significa estar “embriagado de energia” “ensandecido pela pressa”.
De fato, nossa civilização é uma espécie caracterizada mais por seu modo curioso de ser-que-se-autoanula do que por quaisquer conteúdos fixos; mais por atitudes do que por substâncias. Não importa tanto o que está sendo feito e que objetivos são perseguidos; o que importa é que, seja lá o que estiver sendo feito, o seja rapidamente, e que os alvos perseguidos escapem à captura, movam-se e se mantenham em movimento.
Estar “embriagado de energia” significa estar embriagado com a capacidade de se mover e agir, não com qualquer trabalho particular a ser feito ou destino específico a ser atingido. Nossa civilização não consiste na postergação da recompensa (o que seria, de fato, contrário à sua natureza), e sim numa questão de impossibilidade de estar satisfeita.
O grande desafio para pais e educadores é lidar ao mesmo tempo com as características da ética pós-moderna, das quais também sofrem as consequências, e com as características da fase de vida dos adolescentes, como a procura de uma identidade pessoal e social. Como lidar com os excessos de interação virtual, que nada mais são do que “tranquilizantes” e sistemas de recompensa rápida? Como lidar com facebook, snapchat, watsapp, jogos, que estão à distância de um click nos smartphones (que funcionam como próteses, segundo o sociólogo Domenico De Masi) e são utilizados pelos adolescentes o tempo todo? Como garantir a manutenção e sustentação de valores essenciais para a construção da identidade adulta de adolescentes, numa sociedade que valoriza a ética do capital, da troca rápida e constante de acessórios e relacionamentos e que incentiva a quebra das fronteiras entre o que é público e o que é privado?
Não se sabe, ainda, as consequências exatas da ética pós-moderna, e de todo arsenal de apetrechos cibernéticos que servem a ela no desenvolvimento dos adolescentes, entretanto, é fundamental e necessário que os pais e os educadores assumam seus lugares e suas responsabilidades frente ao uso que crianças e adolescentes fazem das tecnologias digitais, entre elas as redes sociais e a internet, a fim de que, juntos, colaborem para que esta geração preserve suas identidades, criando fronteiras nítidas entre o que é público e o que é privado, facilitando, assim, a construção de uma identidade adulta sadia e baseada em valores humanos.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Vida em fragmentos: sobre a ética pós-moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
LEPRE, Rita Melissa. Adolescência e construção da identidade. Disponível em: http://www.sociologia.org.br/tex/pscl36ibes.htm. Acesso em: 09/04/2016.
STAM, Gilberto. O cérebro adolescente. Disponível em: http:// http://revistaneuroeducacao.com.br/o-cerebro-adolescente/. Acesso em: 28/03/2016.
Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional da Grande Florianópolis – out 2017, p. 25.
Viviane da Rosa – Socióloga, Mestre em Sociologia Política.
Faça um comentário