“Paternidade ativa” é a expressão da moda. Como “empoderamento”, aliás, reflexo da paternidade ativa. Elogia-se aquele que pratica a ação denominada paternidade ativa. Que tipo não participa?
A classificação é como se eximisse o pai de ter participação e responsabilidade na vida de uma (sua) criança. Ativar a paternidade é admitir que existe paternidade inativa. Ou seja, inexiste paternidade.A paternidade então é classificada entre ativa, semiativa, inativa, preguiçosa e burra. Alguns chamam de “pai consciente”, ou “pãe” (pai + mãe). Outros, de “pai mamífero”, uma aberração darwinista, já que leões comem sua prole, enquanto leoas caçam.Garanto que, na Idade da Pedra e Bronze, pais coletores, caçadores, construtores ou guerreiros formam a prova do sucesso e burrice humana, já que se deixassem as mulheres coletarem, caçarem, construírem e guerrearem, saboreariam com mais tempo as delícias da criação.Antes, o pai exercia uma atividade financeira apenas. Paternidade ativa é fruto da revolução industrial e emancipação feminina. Espantar-se com ela hoje em dia é o mesmo que se espantar com uma tripulação feminina na cabine de um Boeing.Mas, OK, sei o que querem dizer: existe ainda o pai que não troca fraldas do filho, que acha que é tarefa da mãe. Mas aí não é um pai inativo, é um desumano sobrevivente que virou pai.Não existe maior prazer do qual os homens do passado, meu pai, meus tios, meus avós, os pais, tios e avós dos meus amigos, nunca se lambuzaram: sentir o peso de uma fralda na mão, avaliar um cocozinho, ver a cor, preocupar-se se é devidamente denso ou indevidamente colorido “cheguei”, sentir o cheirinho de uma fralda nova, uma bunda limpinha com creminho hidratante, tomar banho junto, esfregar o sabonete de nenê na pele de nenê do nenê, limpar a bundinha, a barriguinha os bracinhos o pescocinho o sovaquinho do nenê, obrigá-lo a aguentar o jato d’água, agarrá-lo mesmo que queira voar dali, passar o xampu de nenê do nenê, ensiná-lo a fazer xixi no chuveiro, a limpar suas partes baixas, a reconhecê-las como partes a serem sempre limpas, segurar uma mamadeira, um bebê, enrolá-lo no corpo e sair por aí, com o rostinho dele colado no nosso peito, correr atrás dele, brincar, ensinar cores, números, bichos, frutas, quente e frio, uma música, colocar na cama, contar história, inventar, ler, contar piadas, fazê-lo rir, fazê-lo dormir, roncar e sonhar, para acordar com ele ao lado, sorrindo, o examinando e se perguntando quem é exatamente este grandão que me ama e eu amo tanto, que me faz rir, suar, me limpa, me mostra um monte de coisas, me fotografa o tempo todo, me leva para conhecer carro de bombeiro, imita o “baiúiu’ que ele faz, me leva a teatros que me assustam, a shows que me fazem pular, me busca na escola sempre feliz, me carrega no colo, quando me bate aquele sono, me mostra a cor dos ônibus, dos carros, imita o “baiúiu” da motoca, ensina coisas, impede que eu me machuque, ri quando eu caio, fala para eu não puxar o rabo do gato, não enfiar o dedo no olho do cachorro, na tomada, não pegar ovo, que é “peligo”, impõem limites que sempre tento romper, e que cuida tão bem de mim?Existe o pai que nunca experimentou ser um pai canguru e aquele sai com a criança amarrada por um sling (ou baby wrap) no corpo, malha que embrulha ou enrola um bebê na gente. Sai e ri à toa, caminha orgulhoso e cuidadoso pelas calçadas.Existe e aquele que afirma que passou o dia no escritório e não tem tempo, e o que dá o mamá, o papá, o baínho, veste a criança e sorri sem parar.Em Mad Men, a série de TV mais premiada dos últimos tempos, um casal dos anos 1960, Don e Betty, reproduz o casal cujo marido no passado age como agia meu pai, meus tios, meus avós, os pais, tios e avós dos amigos da minha geração, que têm mais de 50 anos. E este talvez seja o grande achado da série: apontar o que até há poucas décadas era rotina, e hoje nos espanta.
Os pais não participavam dos partos dos filhos. Ficavam na antessala exercendo sua macheza com charutos fálicos, enquanto a mulher sofria solitária. Se o bebê chorava na madrugada, era a mãe quem saía da cama. Assuntos íntimos dos filhos cabiam às mulheres. Alimentar, vestir, dar pitos, eram coisas da mãe. E, claro, ele preferia que ela não trabalhasse.
Seu mundo paralelo, o escritório, garantia prazeres não aprovados pelo núcleo familiar, mas incentivados pelo mundo dos negócios. Já não tem Darwin nisso, mas pura manipulação da força, união do poder masculino, executores de leis escritas por eles, opressão disfarçada com o apoio de religiões, fundadas e geridas por homens inspirados por seus profetas homens.
Publicado no Jornal O Estado de São Paulo
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